O muro das lamentações

Cheguei em casa completamente exausto e colei meu diploma na parede com duas tiras de durex. Havia me formado em economia aquela tarde. Aprendi como manejar todos aqueles valores sociais, tão aplicáveis, só pra abrir mão de qualquer luta militante de meu país.

Sinceramente? Foda-se essa merda.

Mal vejo a hora de acender o baseado que deixei da noite passada, mesmo ciente duma entrevista de emprego que farei por telefone daqui umas horas. Não é problema pra mim. Sei que não arranjarei um trabalho nessa área, sei que não me encaixo nos padrões “gola polo e sapatênis”. Sei também que não preciso ter boa aparência pra soar genial como qualquer outro.

Tudo bem. Afinal, não suporto o trabalho de economista. A repulsa que criei pelo que é formal me exila do mundo como uma esfera que precisa passar por um portão retangular e estreito. Percebo boa parte de mim faltando.

O que quero? Já nem sei. Perdi anos procurando essa maldita resposta. Procurei por conforto em todo tipo de arte, todo tipo de esporte, todo o tipo de prazer que só a carne pode proporcionar e só ela pode te punir por todos os fantasmas que ficam.

Sinto frio e fome de viver, sinto dores injustificáveis e a cada dia que passa o gosto de sangue em minha garganta é mais intenso.

Ser solitário é fácil. Ver tudo que importa escorrer por entre os dedos é difícil. Cheguei ao ponto de sentir falta dos conflitos e desilusões que um relacionamento pode gerar. Por mais que não seja possível, pra mim, passar uma única noite deitado com alguém.

Eu sou o conflito e ele vive dentro de mim. O expurgo de forma tão sutil que costumam confundir com resfriado.

Acredito que meus pulmões podres possuam parcela da culpa.

Me pego com frequência observando os desenhos que colei na parede. É quase conversar com o passado. O silêncio da resposta é prazeroso.

Após um ou dois tragos, foco no diploma perdido entre inúmeras histórias. Confesso que dei algumas risadas abafadas pela tosse quando percebi que, de todos os registros, aquele era o que menos me agradava e que sua única vantagem diante os outros é não ter amarelado com a fumaça dos cigarros que fumo.

Ali fiquei por horas anestesiado, sem energia pra mover um músculo sequer. Completamente assombrado pela ideia de ter que começar uma nova etapa.

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O celular toca num tom de provocação que corta meu peito e me tira o ar por uns segundos. Como resposta acendi um cigarro e fui olhar a lua.

Era uma noite quente e úmida, como as de fim de primavera. O subúrbio carioca já cantava o verão. Soava de forma bem semelhante ao que conheço como réquiem. A luz fraca da cozinha me permitia ver da janela que o relógio na parede apontava algo entre as sete e oito da noite.

Sexta-feira de uma semana qualquer e eu já não aguentava mais de sono.

O suficiente pra dormir pela eternidade.

Foi o que fiz.

Rise
Enviado por Rise em 07/10/2018
Reeditado em 07/10/2018
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