Conto das terças-feiras – Padim Ciço e a romaria de Zé Lourenço

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 9 de outubro de 2018

O segundo filho do casal Maria das Dores e Zé Lourenço nascera em 1940 com uma doença que ninguém, nem os médicos da cidade, descobriram do que se tratava. Ele ficava imóvel na rede, não se mexia, nem quando estava ensopado pelo xixi e fezes que saiam de seu corpo esquálido.

A família vivia em um pequeno casario, na zona rural do distrito de Nazaré do Pico, distante da sede, o município de Floresta, cerca de 43 km, este localizado na Mesorregião do São Francisco Pernambucano.

Sem recursos para cuidar da doença do filho, Zé Lourenço apelou para um milagre, que poderia vir do Padre Cícero Romão Batista, o Padim Cícero, que operava milagres na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará. Ele fez promessa de colocar, no menino, o mesmo nome do Padim milagreiro e de vesti-lo, em louvor ao padre, com uma batina preta, até a cura total do moleque. Também participaria da romaria, todos os anos, na cidade de Juazeiro do Norte, nos dias vinte de julho, aniversário de morte do Padre Cícero, acontecido no ano de 1934.

O distrito de Nazaré do Pico dista de Juazeiro do Norte, no Ceará, pouco mais de 240 km. Uma distância difícil para os pais daquela criança conquistarem. A falta de recursos financeiros continuava a atrapalhar os planos da família, para ter o filho completamente curado. Todos os anos, quando se aproximava o dia da romaria, o velho Zé Lourenço pedia esmola aos moradores de sua pequena cidade, dizendo ser para pagar o transporte dele e do filho até a cidade do Padim Cícero. Ele sempre conseguia arrecadar o suficiente para a sua empreitada, dada a motivação do apelo, a cura do filho. Em Juazeiro do Norte ele sabia que iria contar com a generosidade do povo para a alimentação dos dois. Era coisa que não o preocupava.

No dia da partida do caminhão, conhecido como “Pau-de-arara”, veículo de carroceria de madeira coberta com lona, trazendo ainda bancos de madeira para acomodar sentados os romeiros, Zé Lourenço, o filho e demais romeiros estavam a postos. Todos vestidos de branco, a exceção do filho que vestia a prometida batina preta, os homens usando chapéus-de-palha e as mulheres com lenços amarrados na cabeça. Poucos traziam mantimentos e roupas de muda. Alguns iriam para abrigos da Prefeitura e outros para casas de parentes ou amigos. Durante todo o percurso os romeiros cantavam músicas religiosas. Os rostos transbordavam alegria, nada de cansaço, nada de reclamação, nem mesmo dos doentes, todos se ajudavam. Cada um tinha um motivo para ali estar, uma graça alcançada, outra a alcançar, alguns já por pura devoção ao padre, ninguém estava indo por obrigação, até mesmo as crianças, que de nada entendiam, encaravam como um simples passeio conhecer uma cidade grande. Era euforia pura!

A viagem era sempre muito desconfortável, mas tranquila. Nem mesmo se ouvia choro de criança, apesar das mais de oito horas desacomodados e movendo-se sobre péssimas estradas. O veículo só fazia uma parada para as necessidades fisiológicas, sempre no mesmo bar-restaurante de meio de estrada. Outras paradas só por defeitos no caminhão ou pneu furado, circunstâncias corriqueiramente presentes nessas viagens.

O caminhão avançava lentamente para alcançar a terra do Padim Pade Ciço. O sol e a poeira não incomodavam. O ajudante de motorista, na carroceria, distribuía água para quem estava com sede, que era parte do pacote da viagem. Na chegada em Juazeiro do Norte, os que já estavam acostumados procuravam se acomodar em seus lugares preferidos, enquanto os marinheiros de primeira viagem se deslumbravam com tanta gente na cidade. Era um fervilhar de religiosidade e comércio, com venda de estátuas, de todo tamanho, do Padre Cícero, acompanhados aos dos santos reconhecidos pela Igreja Católica que se misturavam à vendagem de frutas, doces, roupas, sapatos e de tudo mais. Até romeiros traziam coisas de suas cidades para serem comercializadas durante os dias da festa em homenagem ao religioso mais famoso do sertão do Nordeste.

A fé de Zé Lourenço era tanta que ele, na primeira viagem, já batizara o filho com o nome de Romão Batista emocionando a todos que tentavam tomar assento no caminhão de retorno para Nazaré do Pico, Pernambuco.

O sacrifício da volta era mais penoso. Cansado, mas satisfeito por ter cumprido sua promessa, o pai de Romão Batista, abraçado ao filho não perdia a esperança de o ver curado completamente.

Aos olhos do pai, o menino vinha melhorando ano a ano, graças ao Padim Ciço. Em todas as viagens ele olhava com ternura para o filho e dizia, — no próximo ano estaremos aqui novamente, se Deus permitir, e ele vai permitir.

As viagens se repetiram por muitos anos, tal como acontecia e ainda hoje acontece com os devotos do Pe. Cícero, cultuado por seguidores de quase todo o Brasil, notadamente pelo sofrido povo do sertão nordestino, que mantêm uma fé inabalável alcancem ou não o milagre ansiosamente pretendido.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 09/10/2018
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