Conto das terças-feiras - O menino marajoara

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 30 de outubro de 2018.

A família de Marlow e Bryth conheceu Clodoaldo Zagallo em 1984, na Ilha de Marajó. Ele tinha apenas 14 anos de idade e os dois nomes foram dados por seu pai, fissurado em futebol e amante da Seleção Brasileira de 1970, ano de nascimento de Zagallo Marajó, como era mais conhecido na ilha. Garoto esperto, órfão de pai e mãe, criado livre nos campos de Marajó, era conhecedor da fauna e da flora local.

A Ilha de Marajó está localizada no estado do Pará, especificamente na foz do rio Amazonas. Com área de aproximadamente 40 mil quilômetros quadrados, ela é a maior ilha da América do Sul. É também a maior ilha do mundo rodeada por água doce e salgada marinha, representando um laboratório a céu aberto, principalmente para pesquisadores das ciências biológicas.

O casal de ingleses saiu de Belém às 22 horas, em um catamarã, com destino à ilha. Viagem de aproximadamente cinco horas. Eles ficaram alojados em duas cabines, uma para o casal e outra para os três filhos e dormiram confortavelmente até anunciarem o café da manhã. O catamarã aportou em Salvaterra e de lá, de ônibus, por sinal um pouco velho, foram levados para Soure. O primeiro passeio foi visitar a praia do Pesqueiro, depois uma fazenda de búfalo, onde se encontraram com Zagallo Marajó. Desenrolado, o garoto falou da criação de búfalo e apresentou à família o leite de búfala e o doce de leite, também de búfala.

Na volta do passeio Zagallo Marajó veio com a família de turistas. Marlow perguntou se seria possível os acompanhar para apreciarem a fauna local. Conhecedor do talento dele sobre as diferentes espécies e seus habitats, trataram que, no dia seguinte, logo cedo, rumariam para mais esse passeio. A estada da família na ilha seria de apenas três dias, estavam aproveitando o feriado de segunda-feira.

Às sete horas, o garoto já se encontrava no porto de Salvaterra, local previamente combinado, pois o casal e filhos estavam hospedados no próprio catamarã. Depois do lauto café da manhã, todos deixaram o navio. Já havia um pequeno ônibus à disposição do grupo, conseguido pelo garoto. Eles foram levados ao interior da ilha, e no deslocamento o garoto-guia chamava a atenção para os movimentos dos dois lados da estrada. Com alegria espantosa, ele indicava de onde voariam os manguaris (socós grandes - Ardea cocoi), as garças brancas (Ardea alba) e azuis (Ardea herodias), patos selvagens, guarás vermelhos (Eudocimus ruber) e outros pássaros.

— Se vocês não ficarem espertos não vai valer o passeio, falou Zagallo Marajó.

Eles se entendiam em português, pois o casal estava há quatro meses em Belém, realizando pesquisas em parceria com uma universidade do Pará.

— Estamos atentos, pois também queremos ver um pouco dos animais terrestres, falou Marlow, eufórico com tanta beleza.

A exuberância de cores encantava a todos. O verde da mata e as flores e folhas afetadas diretamente pela incidência da luz solar, produziam, nos olhos de cada um, a sensação de que estavam diante de um calidoscópio, com imagens em constante mutação. Era uma sensação cambiante e vertiginosa.

De repente o ônibus parou, todos desceram e se embrenharam mata adentro. Protegidos com roupas grossas, calças jeans e camisas de mangas compridas, calçando botas de borracha, o grupo avançou pela trilha já aberta, em busca de novas aventuras. Cauteloso, Zagallo Marajó ia à frente. Com facão na mão, às vezes cortava galhos e cipós que atravessavam a trilha, dificultando a passagem do grupo. Andaram por algumas horas, sempre na expectativa de avistar algum animal terrestre. Também sem se descuidarem, porque foram informados que poderia haver onça na espreita.

Os únicos animais que avistaram foram uma capivara e seu filhote, alguns macacos guaribas ou bugio, embora Zagallo tenha adiantado ao grupo que poderiam ver guaxinins, quatis, cutia, tatus, pacas, macacos de cheiro, tamanduás, cobras, jacarés, entre outros.

De volta ao ponto de partida, o garoto-guia perguntou se o casal gostaria de conhecer um pouco da ictiofauna local.

— Já que vocês são pesquisadores da fauna marinha, eu poderia levá-los ao mercado central, onde são comercializados os peixes regionais, frisou o garoto, mostrando-se conhecedor do assunto.

As crianças foram as mais entusiásticas para realizarem esse passeio. Elas nunca tinham estado em um mercado de peixe.

— Vamos, falou Anny, a de mais idade entre as crianças.

— Nós também queremos ir, gritaram os outros dois filhos do casal. Vai ser divertido ver os peixes chegando ao mercado, completou uma delas.

Proposta aceita rumaram para o mercado central. Lá, Zagallo, com desenvoltura e segurança, mostrava os diferentes exemplares da ictiofauna da ilha, citando o nome de cada um:

— Aqui temos a pescada branca, muito utilizada para preparar peixada, ali o bacu, ao seu lado a dourada, outro peixe nobre. Temos ainda a sarda, a pratiqueira, o bagre, o filhote, peixe de água doce, piramutaba. A Amazônia será o celeiro do mundo, completou orgulhoso, Zagallo Marajó.

Encantados com a desenvoltura e a inteligência do jovem Zagallo, a dupla de pesquisadores fez-lhe um convite:

— Você gostaria de ir para a Inglaterra, para estudar e aprimorar os seus conhecimentos sobre a fauna e a flora de alguns países onde atuamos? Somos mantenedores e diretores de um instituto de pesquisa nesta área, e estamos lhe oferecendo uma bolsa de estudo para uma escola em Londres, onde você poderá terminar os seus estudos, cursar uma universidade e se especializar em alguma área da biologia.

Sem família para solicitar autorização, Zagallo Marajó aceitou o convite. Com a documentação em mãos, o garoto partiu três meses após, para a capital do Reino Unido. Ele tinha certeza que lá seria também um pesquisador de renome internacional. Ao Brasil só voltaria quando isso acontecesse.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 30/10/2018
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