FOI TUDO POR AMOR

Era um dia de inverno, frio, congelante e cinza, pois o tempo parecia morto, assim como as folhas secas das árvores que tombavam sem vida... Alice era uma jovem sonhadora que, após a morte inesperada e trágica de seus pais precisava ir morar em outra cidade com a única irmã da sua mãe, sua tia Estela. Enquanto ela aguardava o táxi chegar para levá-la ao Aeroporto, permanecia parada ouvindo o tamborilar da chuva em contato com a vidraça da janela. Ela sabia que aquele dia seria o último naquele lugar e, principalmente naquela casa; o seu olhar se perdia na imensidão do tempo, as lágrimas escorriam pela sua face rosada. Logo, o silêncio foi quebrado pela voz da representante de uma imobiliária que iria cuidar dos trâmites da venda da casa:

- Alice, não fique preocupada com nada, que eu cuidarei de tudo para você. Seu táxi acabou de chegar! Apresse-se, por favor!

- Obrigada, mas ainda sinto falta dos meus pais! Disse-lhe Alice aos prantos.

A viagem foi muito tranquila e, quando a garota chegou ao local de destino sua tia já a esperava, o coração estava acelerado, pois o medo da incerteza era enorme, porém ela precisava ser muito forte.

- Boa tarde, tia Estela! É um grande prazer conhecê-la. Disse-lhe Alice e logo depois deu um forte abraço na tia.

- Boa tarde, minha sobrinha querida! Você é bem mais bonita pessoalmente. Falhou-lhe sua tia.

Assim, as duas choraram juntas pela mesma dor da perda e, Alice contou para Estela, em mínimos detalhes, como foi o acidente que ocasionou a morte de seus pais, acidente esse que ela não estava presente, porque se encontrava na escola... Já na casa de seus tios, sua tia Estela mostrou-lhe o seu novo quarto. O ambiente era muito simples, ela permaneceu parada olhando para o assoalho que estava muito limpo, pois o quarto estava bem arrumado. Assim, Alice se deitou na cama para descansar um pouco da viagem e, adormeceu tranquilamente... Quando acordou a chuva já havia cessado e o luar iluminava seu quarto pela fresta da janela, naquele momento a garota se sentia como se tivesse renascido. Dois toques breves na porta trouxeram Alice de volta ao presente:

- Pode entrar, por favor! Eu já estou acordada.

- Alice, você conseguiu descansar? Venha comigo, pois o jantar já está sendo servido. Disse-lhe sua tia.

- Sim titia, eu consegui dormir um pouco! Respondeu-lhe a garota, ainda, atordoada pele sono.

- Alice querida, eu quero que você conheça, seu tio Guilherme, o meu esposo. Disse-lhe Estela.

As duas seguiram ao encontro do senhor Guilherme que já era casado há cerca de vinte e cinco anos com Estela. Os pensamentos de Alice voavam no tempo e ela começou achar tudo aquilo muito estranho, não compreendia o porquê daquele tratamento VIP, de maneira tão especial, seus tios eram muito amáveis com ela, pois na verdade Alice nunca tinha os conhecidos até o presente momento e, os seus pais enquanto vivos dificilmente falava sobre eles. Dúvidas começaram a martelar em sua cabeça. Assim, aconteceu a apresentação de praxe.

- Boa noite, querida Alice! Sou o seu tio Guilherme, ao seu dispor. Disse-lhe aquele homem alto, de cabelos grisalhos, mas que era um verdadeiro estranho para a garota.

- Boa noite, tio Guilherme! Respondeu-lhe a jovem com um ar de desconfiança.

Logo após o jantar, a garota fez um passeio pela casa toda, a simplicidade do ambiente era comovente, tudo parecia muito confuso para ela, que começou a sentir medo, um aperto no coração. Alice observou que nas paredes tinhas várias fotos do casal com um bebê no colo, de um canto a outro da humilde sala, elas enfeitavam o cenário. Rapidamente, Alice voltou para à sala onde estavam os seus tios e começou os seus questionamentos:

- Tia Estela, vocês tiveram filhos? Onde eles estão?

Estela e Guilherme se entreolharam e, seu tio deixou o local aos prantos, enquanto sua tia respondeu-lhe:

- Sim, tivemos uma única filha! Por que a pergunta, Alice?

- Porque eu vi várias fotos de vocês com uma criancinha de colo. Sabe, tia Estela, esta casa parece até um álbum de fotografia. Fale, o que aconteceu com àquela criança? O passado lhe condena? Cadê tio Guilherme?

O senhor Guilherme entrou cabisbaixo na sala e, começou a falar:

- Alice, não convém desenterrar um fato que há muito tempo foi sepultado, foi algo muito doloroso e sofrido para todos. Nada que você diga vai mudar o seu passado.

- O meu passado talvez não, tio Guilherme, porém o meu futuro sim! Respondeu-lhe Alice.

- Guilherme, por favor! Alice, vá dormir que falaremos depois sobre isso.

Alice olhou fixamente para os seus tios, permaneceu ali parada, enquanto lágrimas rolavam pela sua face cálida, enxugou os olhos e foi procurar dormir...

O dia amanheceu pardacento, com muita chuva e raios riscando o céu de um canto a outro. Alice percebeu que o silêncio predominava no ambiente, somente os fantasmas do passado, as dúvidas do presente e as incertezas do futuro ameaçavam a tranquilidade dela. Alice saiu à procura das respostas que pudessem amenizar suas dúvidas, circulou pelos diferentes cômodos da casa, mas seus tios não estavam por lá, ela começou a sentir uma angustia, quando vê de longe uma carta em cima da mesa. Ela segurou firme a missiva e vai lendo devagar...

“São Paulo, 05 de novembro de 2018

Querida Alice, Bom Dia!

Venho por meio desta comunicar-lhe que eu e Guilherme resolvemos passar uma temporada afastados de você, pois o que irei contar-lhe é muito difícil e bastante doloroso para nós, não esperamos PERDÃO da sua parte, mas apenas compreensão, pois você aí sozinha, terá a chance de refletir melhor.

Minha querida, eu e Guilherme casamos muito jovens, não tínhamos nem emprego, a amiga de Guilherme era quem ajudava a gente. Sim, tivemos uma maravilhosa filinha, um sonho de criança, mas estávamos passando por muitas dificuldades e então, eu resolvi procurar um casal rico para adotar nossa filha, fiz contra a vontade de Guilherme que ameaçava acabar com o nosso casamento. Mesmo diante às ameaças dele, eu entreguei o nosso bebê para um casal rico que prometeu adotá-la e cuidar dela como se fosse a própria filha deles, porém em troca tínhamos que nos separar da criança e fazer de conta que ela não havia nascido.

Alice, eu e Guilherme somos os seus PAIS BIOLÓGICOS, porém procure compreender minha atitude, pois o que fiz: FOI TUDO POR AMOR.

Nós te amamos muito! No verso tem o endereço de onde estamos.

Da sua mãe Estela.”

Alice sentiu o mundo todo desabar, como se um buraco fosse aberto e ela tivesse caído no fundo do nada, na verdade a garota já não sabia diferenciar as atitudes praticadas pelos seus pais adotivos e pelos seus pais biológicos. Ela começou a chorar e chorar sem parar, pois, para Alice todos erraram e, um erro não justifica o outro.

Os tempos passaram... Alice resolveu procurar os seus pais biológicos no local onde, atualmente, eles estavam morando, ela chegou entristecida e foi logo falando:

- Meus tios, vocês podem ser até os meus pais biológicos, porém os meus pais verdadeiros já morreram, eles fizeram tudo por mim, estiveram ao meu lado em todos os momentos da minha vida, sentiram as minhas dores e participaram dos meus sorrisos. Estela e Guilherme, pais são aqueles que criam, educam e amam. Portanto, vocês sempre serão os meus tios, pois eu tenho gratidão por vocês me concederem pais tão especiais. Eu amo vocês!

- Minha filha, foi tudo por amor! Disse-lhe dona Estela

Alice saiu sem nem olhar para trás, ela foi em busca de um novo caminho.

Elisabete Leite – 07/11/2018.

Elisabete Leite
Enviado por Elisabete Leite em 09/11/2018
Reeditado em 09/11/2018
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