a janela

de: um amante da chuva vestindo seu capuz;

para: todas as outras vítimas da hipocrisia.

dançavam-se as luzes da cidade. ao som da melancolia pairando aos ventos, se fazia a agitação dos que gozavam de seus próprios destinos já moldados. os postes falhos de iluminação tornavam-se grandes holofotes para a magnificência de seus atos mais remotos, que, de maneira sensata, não se faziam deslumbráveis, tampouco magníficos. mero detalhe. ao álcool jogado pelas guias, cada gosto se fazia atribuído a quem estava a se embebedar daquela vez. por vezes, tinha gosto de quentura, e cheiro de abismo, mas também poderia ter gosto de saudade, e essência de solidão. á beira do asfaltoprecipício, julgamentos se faziam a parte.

enquanto o caos interior se propagava pelas esquinas, havia ainda a discrição das sombras em abrigar seus filhos de alma. estes se espremiam pelos becos e vielas, em plenos montes, tentando fugir das luzes da rua em denúncia à sua existência. em meio ao mais fúnebre silêncio, faziam da noite sua morada.

talvez por um erro dos capatazes da madrugada, não fui capaz de fechar meus olhos desta vez. depois de uma última espiada pela janela enserenada, e antes de me afogar em meus próprios sonhos, forcei-me a lembrar de minhas observações pela manhã.

no outro dia, antes de me deitar, fechei as cortinas em garantia, e os olhos logo em seguida. sem janelas desta vez, e esperava eu que nunca mais, também. pois se o dia era terra de cada um, a noite se fazia terra de ninguém.

a noite é um breve mergulho nas profundezas de si.