Olhar ao redor e enxergar a si mesmo

Fazia frio naquele fim de tarde. O sol, pálido que estava, não conseguia aquecer os transeuntes mau-humorados que passavam pela praça central, sem reparar a presença de um velho sentado num banco, com um meio sorriso no rosto, encarando toda a vida que acontecia. Ele chegara ali ao raiar do dia, e durante todo o dia, trocou apenas umas poucas palavras com a vendedora ambulante, que lhe oferecera um saquinho de pipoca a preços módicos. Ele comeu a pipoca com gosto, e deve ter sido a única coisa que ele comeu o dia todo, pois passara inclusive o horário do almoço estático naquele banco. Por vezes eu me perguntei o que fitavam aqueles olhos cheios de experiência. Em um primeiro momento, acreditei que ele observava as crianças brincando no parquinho. Parecia lógico que um velho se encatasse por crianças cheias de enegia, dispostas a enfrentar o frio daquele dia de junho apenas por algumas boas risadas. Mas então, percebi que aquele olhar atravessava o parquinho das crianças e ia além. Cogitei que ele avistava com gosto um casal de jovens namorados que dividiam afeto alheios aos olhares de reprovação dos mau-humorados transeuntes adultos. Mas a impaciência da juventude levou o casal a sair contente, de mãos dadas daquela praça, deixando pra trás o resignado olhar idoso que os acompanhava de longe. E mesmo assim o velho continuava a fitar o distante. Comecei a me preocupar com o velho, e quando a noite estava pra avançar sobre o resto de sol que ainda banhava a praça central, eu fui me preparando para intervir e conversar com o velho. Saí pela porta, desci as escadas, e já ia abrindo o portão que dá acesso a rua, quando registrei um movimento vindo daquele banco embaixo da frondosa árvore que no verão era muito disputado. A preocupação deu lugar a uma subita curiosidade. Não podia deixar que ele fosse embora sem me contar o que ele passou o dia encarando. Apressei meus passos, e interceptei o velho quando ele já cruzava o limite da praça com seus passos lentos e ritmados. -Senhor? Com licença, eu estive observando o senhor o dia todo, e percebi que você adimirava algo todo esse tempo. O senhor poderia me dizer o que esteve observando todo o dia de hoje? O velho parou, ficou olhando para o outro lado da rua, e sem se virar me respondeu: -Estive fazendo o mesmo que você rapaz. Passei o dia olhando para mim mesmo. E vi muita coisa sabe? Vi crianças, pipoqueira, namorados, e vi você jovem. E em tudo isso eu estava, e tudo isso era eu. Você devia se olhar ao redor também filho, entenderia muitas coisas. Nesse momento ele me olhou, com um fogo que eu não tinha notado em seu olhar. Acenou com a cabeça, e me fitou por mais um breve momento antes de ir embora. Acho que mais uma vez, ele olhava para si mesmo. Fazia muito frio naquele comecinho de noite. Me sentei no banco, e me pus a olhar o velho se distanciar. Eu olhava eu mesmo ir embora, e agora entendia.