O Martelo.

Não é da minha conta e faço questão de que continue não sendo, acordei as cinco da manhã para trabalhar, trabalhar com construção é complicado, já não me basta ter que acordar cedo, ainda tenho que levar parte do material de construção na mochila, ser peão é foda.

Chego no trabalho e o ajudante me vem com a história de uma chacina que aconteceu perto da casa dele, na mesma rua dele praticamente, ouvi com desdém, não me entendam mal, mas, vivemos numa cidade grande, periferias e tudo que se tem direito, crimes e gente morrendo é simplesmente normal... Limitei-me a dizer um "faz parte".

Troco de roupa e me visto com os meus trapos, preciso fazer um contrapiso, levando em conta que é segunda-feira, vai demorar muitos mais do que realmente demoraria, mas, é segunda-feira, dia de branco. Meu ajudante e eu começamos os trabalhos. Apesar das horas se arrastando, chega a hora do almoço, pegamos uma lata de sardinha velha, colocamos álcool e esquentamos as marmitas, arroz, feijão e linguiça calabresa, coisa que eu odeio, mas, a fome deixa tudo com gosto agradável, brindo com um arroto elegante.

Depois de uma hora, voltamos para o batente, era dali até as cinco da tarde, se já foi complicado de manhã, imagina com a barriga cheia... O importante é que falta metade, dá para fazer mais tranquilamente. De repente, o meu celular toca, não é ninguém ligando, é o alarme que avisa que são cinco horas, por acaso, já tínhamos terminado o contra piso, estávamos sentado e falando dos jogos de ontem e mesmo sem estar fazendo nada, comemoramos o fato de ser cinco horas, trocamos de roupa o mais rápido possível, ele sai primeiro e se despede já cruzando o portão, eu termino de guardar os materiais que eu trouxe, eu poderia deixar na obra, porém, já deixei uma vez e depois não vi mais; guardo meio as pressas, tranco tudo e saio portão a fora... Faço uma caminhada de uns quinze minutos para chegar ao ponto de ônibus, por sorte, pouco depois de chegar no ponto o ônibus chega, moderadamente cheio, normal para o horário, normalmente viagem dura em torno de duas horas, todavia, a sorte que eu tive quando cheguei ao ponto de ônibus, havia ficado por lá, a viagem se prolongou por duas horas e meia, quase três horas, chego a considerar que a viagem me cansou mais do que o trabalho do dia.

Depois de dormir, acordar, babar e debruçar no ombro de uma mulher que me xingou, saltei do ônibus e mais uma caminhada de vinte minutos me esperava. Caminho calmamente pelo meu bairro, lugar calmo, tudo fecha cedo, verdade é que ninguém tem coragem de ficar até tarde, a parte uns botecos que já estavam abertos antes mesmo d'eu nascer, prossigo na minha caminhada, como de costume, decido cortar caminho por um matagal meio deserto, mas, que quem mora aqui a mais tempo já está acostumado a usar para cortar caminho, se eu não fizesse isso, a tal caminhada de vinte minutos, poderia virar quarenta facilmente, morar em lugar mais isolado tem sem preço.

De repente o silencio é incomodo por um som inconstante, não é o tipo de barulho que eu estou acostumado a ouvir, pelo menos não ali, paro de andar e tento prestar atenção no barulho, tento seguir o som e sem muito esforço percebo que o som está vindo de dentro do mato, o que só faz ficar mais estranho. Procuro caminhar o mais silenciosamente possível, para não atrapalhar o barulho, a fim de conseguir encontrar de onde ele vinha, com mais dez passos, eu tive uma surpresa desagradável, consegui ouvir um grito abafado, um pedido de socorro sufocado... Seguro a minha respiração e continuo andando mato a dentro, até que por fim, eu consigo ver uma silhueta estranha se movimentando no chão, no meio do mato, a silhueta se movimenta violentamente e por fim, vejo que é um casal e eu digo casal por pura força da ortografia, porque de casal, não tinha nada, agora estava claro a boca tapada dela e o choro.

Prendo as minhas pernas no chão, enquanto eu penso no que fazer, ficar parado olhando aquilo é uma tortura, não pior do que para ela, mas, ainda assim, é. Resolvo tirar a mochila das costas com cuidado, para fazer o mínimo de barulho, abro e reviro de leve a mochila e acho um cabo que julgo ser do martelo, puxo devagar para fora da mochila e por um mero acaso, era mesmo o martelo, coloco a mochila de lado e caminho curvado, sorrateiramente e com um movimento brusco, dei uma martelada certeira do quengo do estuprador, o desgraçado caiu por cima da menina, puxei ele pela gola da camiseta e coloquei para o lado e assim que o corpo pesado dele bateu no chão o sujeito fez menção de acordar, com uma mistura de medo, raiva e adrenalina , desferi mais duas marteladas na lateral da cabeça dele.

A menina estava em choque, com os olhos fechados, provavelmente ele estava ameaçando ela para que ela não olhasse e caso sobrevivesse não identificasse ele depois, filho da puta. Mesmo com ela em choque, ainda assim consegui fazer ela despertar e até mesmo com uma certa truculência, levantei ela e mandei ela ir embora o mais rápido o possível, falei para ela ir em algum médico, ou, procurasse alguma viatura pra pedir socorro, mesmo em choque, ela correu em direção a trilha. Eu por minha vez, resolvo vazar do local, pego a minha bolsa e corro na direção oposta da moça, fazendo o caminho de volta e indo para o caminho que me tiraria mais uns quarenta minutos.

Ainda ofegante, eu chego em casa e minha esposa repara a minha expressão, cansada, meio assustada e perguntou o que era, inventei qualquer desculpa sobre um acidente de moto próximo ao trabalho, disse apenas que foi feio, ela faz qualquer comentário tão, ou mais indiferente do que o que eu fiz para o meu ajudante aquela manhã; me sentei no sofá. Uma hora depois, já me preparando para deitar, minha esposa me questiona sobre a minha marmita para lavar, abro a minha mochila para pegar o bandeco e imediatamente travo... Onde estava o martelo?

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 26/11/2018
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T6512000
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