Conto das terças-feiras - A filha que pariu

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 4 de dezembro de 2018.

Edileusa, ainda nas suas quinze primaveras, era uma mocinha muito recatada. Frequentava a igreja aos domingos, não vestia biquíni, não saia só, tinha que ser com a irmã ou o irmão mais velho. Ao completar dezessete anos foi sozinha, até à pracinha de sua cidade, local de “footing”, para encontrar as amigas.

Chegando lá, não encontrou vivalma de amigas, elas deram o cano na “noviça rebelde”, como as amigas a alcunhara. Edi, o seu apelido familiar, estranhou aquele comportamento, mas não ficou perturbada, logo apareceu um amigo que se ofereceu para fazê-la companhia. Como era o garoto que já vinha despertando o seu coraçãozinho, ela aceitou a oferta. Nua e crua sobre esses encontros inesperados, os dois ficaram ali conversando, isto é, em um monólogo, ele falava e ela escutava, às vezes sorria de modo singelo.

Muitas das palavras que ele usava eram desconhecidas de seu dicionário familiar de menina. Seus pais tinham o cuidado de não conversar certos assuntos, na frente de meninas e de menores de idade. As palavras do rapaz soavam como melodias, o jeito de ele falar a deixada enlevada. A noite foi ficando mais breu, as outras garotas aos poucos iam deixando a praça. De repente ela percebeu que estavam apenas os dois e não veio à sua lembrança as recomendações de seus pais: volte cedo, não demore, cuidado! Eles tinham certeza que a filha se encontrava em companhia das amigas.

As horas passaram sem que os dois dessem conta de que já havia passada a hora de “soltar o leão”, quando as meninas se recolhem à casa, e, também, da hora da “passagem do homem nu”, quando os garotos vão para casa. Em casa, os pais, aflitos. perguntavam:

— Onde andará Edileusa?

Naquele tempo ainda não haviam inventado o celular. O fixo então foi usado para que a mãe telefonasse para as amigas da filha. Todas as respostas – combinadas - foram as mesmas: “eu fiquei doente e não fui me encontrar com ela. O desespero tomou conta da família. A mãe foi averiguar nos dois hospitais existentes na cidade. Não havia registro de entrada de nenhuma garota naquela noite. O pai se encaminhou à polícia, coisa para homem fazer. Lá também não tinham notícia da garota e o BO só era feito após 24 horas do desaparecimento. Mesmo assim o delegado, amigo da família, mandou averiguar entre os locais preferidos da moçada, se a garota estava ou esteve por lá. Nada!

Não procuraram na pracinha, e se procurassem em hora avançada como aquela, não a encontrariam. O casal resolveu ir até à cidade vizinha, praiana, onde o rapaz dizia ter um amigo que era dono de um restaurante onde se cozinhava o melhor peixe. O que se passou nessa cidade não vou contar aqui. Quando os pais de Edileusa chegaram em casa já passava das 2 horas da manhã. A encontraram dormindo a sono solto. Ao acordar ela disse-lhes que se perdeu no caminho de casa e ficou perambulando por algumas horas. Esculpa ingênua que os pais acreditaram, eles sabiam que ela jamais mentiria.

Só quero dizer que 4 meses depois a garota, que já havia passado pela menarca, sem saber o que era aquilo, pois nunca tivera explicação para tal fenômeno da natureza, escondera da família o ocorrido. Como isso não se repetiu, ela deu continuidade à sua vidinha de menina do interior.

Procurando esconder-se das transformações que seu corpo experimentava, seios se avolumando, a barriga intumescendo, Edileusa passou a apertar bastante o cinto, a usar camisas e calças compridas de números maiores que o de costume. Aos enjoos ela sempre colocava culpa no regime de fome para emagrecer, ou não engordar mais. E assim, os dias foram passando, tudo corria bem para a garota, ninguém desconfiava de nada. Desconfiar de quê? Era a pergunta que ela se fazia sempre.

Um dia a família recebeu uma ligação telefônica pedindo para um responsável por Edileusa comparecer ao colégio onde ela estudava. Perguntado o motivo, o interlocutor do outro lado da linha disse desconhecer. Apenas falou que era urgente. Mais que depressa pai e mãe correram para atender ao pedido de urgência do colégio. Estavam tão assustados que não trocaram de roupa, foram como estavam vestidos e de cabelos desalinhados.

Ao chegarem foram levados diretos para sala da diretora. Com ar de assustada a diretora só permitiu a entrada da mãe. O pai ficou resmungando do lado de fora, mais nervoso do que nunca. A mãe entrou e logo depois apareceu com uma criança no colo. Espantado, o pai pergunta:

— De quem é essa criança?

Mais tranquila, agora, a mãe responde:

— Da filha que pariu.

O pai desmaia, mandam chamar o médico que ainda atendia Edileusa. Tudo foi explicado, só não sabiam ainda de quem a criança era filha.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 04/12/2018
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