O Político

Tudo começou quando viu sua mãe enviuvar-se com menos de vinte e cinco anos e seus irmãos menores morrendo de fome, a chorar. Mesmo jovem – sem muita instrução intelectual e moral – sentia que devia fazer alguma coisa para tentar sanar a necessidade dos seus.

Seu primeiro emprego não fora como ele esperava: juntara algum dinheiro após vender latas de alumínio e comprara seu caixote de engraxar. Aliás, pusera-se muito contente a anunciar à mãe, então empregada doméstica, que faria algum esforço para levar-lha a ela e a seus irmãos o pão de cada dia.

Contudo, a falta de talento lhe era evidente só em observar-se tocar a escova. Mal sabia fazer o polimento; seu cuspe alvejava quase sempre as calças dos fregueses – estes que saíam emburrados, muitas vezes sem pagar. Ademais, quando a distração era tanta – principalmente quando assistia ao carro do sorvete cruzando a avenida -, o menino sempre trocava as cores da graxa – branca por preta ou vice-versa – ou atingia a meia dos clientes.

Após um tempo de inúmeras frustrações, decidiu-se ele a ser garçom. Receberia mais por esse trabalho que como engraxador. Porém, sua inabilidade em conduzir uma bandeja ou em marcar corretamente os pedidos nos blocos de nota fizeram-no ser logo despedido. Apenas uma vez recebera gorjeta – pois o cliente havia-o confundido com outro garçom.

A entrar à vida adulta, decidiu estudar o que a vida se lhe impusesse: começara com as Ciências Biológicas, mas ao vislumbrar animais dissecados percebeu não ter estômago para tal. O mesmo deu-se na área de Enfermagem. Os textos de História e Sociologia pareciam a si enigmas de outro mundo, pois pouco compreendia tais leituras.

Tentou ser escritor, mas não conseguia produzir uma linha com qualidade. Tentou ser ator, mas não conseguia decorar uma fala. Tentou ser mecânico, mas não sabia utilizar chaves de fenda. Tentou ser porteiro, açougueiro, alfaiate, eletricista, motorista, cobrador, lixeiro e até mesmo tapeceiro. Tinha talento para absolutamente nada!

Entretanto, quando meteu-se em política sem ao menos dar-se conta de como ali chegara, recebera considerável número de votos e fora elegido para vereador de sua cidade. Ao povo, aulia com veemência que satisfaria sua vontade com atuações contundentes. Aos seus, por outro lado, assertava que não conseguia conjeturar o que essa tradicional designação política viria a ser.

Alfredo vivera anos sem talento e, para tal, descobrira sua real vocação política: tornara-se presidente.

Guilherme Zelig
Enviado por Guilherme Zelig em 03/01/2019
Código do texto: T6541591
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