Eli sa andasang mal

- Victoria de Silva?

O entrevistador era um homem chinês de meia-idade, cabelos grisalhos, óculos quadrados de armação preta. Vestia um terno cinza-pérola, bem-cortado, com uma gravata de seda azul pálida.

- Sou eu, senhor Hu - respondi, apertando a mão que me fora estendida.

Ele me indicou uma cadeira estofada à frente da sua escrivaninha.

- Sente-se, senhorita.

Estava com meu currículo na mão, observei.

- A senhorita veio em resposta ao nosso anúncio para secretária, correto?

- Precisamente - acedi.

- O anúncio informava que as candidatas deveriam ser bilíngues, correto?

- Correto, sr. Hu.

- Estou vendo no seu currículo que a senhorita foi aprovada no TOEFL e portanto é proficiente em inglês.

- Perfeitamente - declarei, mãos cruzadas no colo.

- E que o seu segundo idioma é o malaio?

- Pasti - respondi em malaio.

O sr. Hu balançou a cabeça em aprovação, e ajeitou os óculos no rosto.

- Mas não fala mandarim?

- O senhor está procurando uma secretária bilíngue ou trilíngue, sr. Hu? - Indaguei candidamente.

- Bem... uma secretária bilíngue, cujo segundo idioma seja o mandarim.

- O anúncio não continha esta informação, sr. Hu - declarei, decepcionada.

- Mas nós, de ascendência chinesa, somos praticamente 3/4 da população de Singapura, srta. de Silva - retrucou ele, suavemente. - Se a srta. houvesse citado que fala kristáng, também poderia se declarar bilíngue, mas não me seria de qualquer utilidade.

Respirei fundo.

- A propósito, eu também falo kristáng, sr. Hu; até porque, como deve perceber, tenho nome e sangue português nas veias. Creio que isso faz de mim trilíngue.

O sr. Hu juntou as mãos sobre a escrivaninha e me olhou de um jeito estranho, como um gato que acaba de ver um camundongo cruzar o seu caminho.

- Imagino que veio daí a sua intimidade com o malaio, senhorita. E, devo dizer, as mulheres kristáng são muito bonitas...

- Até posso ser bonita, sr. Hu, mas realmente não falo mandarim fluentemente - atalhei.

- Talvez eu possa lhe conseguir um cargo menos técnico, senhorita... um no qual não seja necessária fluência em mandarim - insinuou ele, juntando as mãos.

"E onde, provavelmente, terei que trabalhar na horizontal", pensei. Maldita fama do sangue promíscuo das mulheres kristáng!

- Mutu merseh, sinyor Hu - retruquei em kristáng, erguendo-me e dando por encerrada a entrevista.

E, como ele obviamente não entendia kristáng, fiz uma vênia e acrescentei, em mandarim:

- Fei cháng gan xiè nín de baoguì shíjian. (*)

- [21-01-2019]

(*) - Muito obrigado pelo seu precioso tempo.