O Martelo PT2.

Não consegui dormir à noite inteira, eu precisava voltar lá... acordei às cinco da manhã como de costume, tomei um copo de café com leite e engoli um pão com margarina, peguei a minha marmita que minha nega deixou pronta ontem e saí para trabalhar, passei pelo mesmo caminha que eu tinha feito, com passos rápidos e sem olhar para os lados, não por medo, mas, sim por não ter o que olhar ao redor... Cheguei onde tinha se passado tudo, andei devagar até onde o corpo estava, não tinha nada se não formigas sobre ele, olhei em volta procurando pelo meu martelo e encontrei, o martelo com sangue seco, recolho ele e saio rapidamente do local, saio abrindo a mochila para guardar o instrumento, enquanto enfio a ferramenta na mochila escuto uma voz rouca e fraca me desejando bom dia... Era uma velhinha com uma sacola de pães, olhei assustado, creio que respondi o bom dia, com certeza respondi de forma abafada, quase engasgada; segui o meu caminho.

Assim que cheguei na obra, corri para uma torneira que fica nos fundo, a fim de lavar o martelo, acho que consegui, apesar das ranhuras do martelo ainda ficarem sujas, mas, ao longo do trabalho vão ser disfarçadas, trabalho mal, não consigo tirar a minha cabeça de lá, não consigo esquecer daquele desgraçado e será que a mulher denunciou? Trabalho sai mal feito, um dia perdido.

Lavo o rosto e me jogo uma água para ir para casa, antes de ir para o ponto, eu entro num pequeno bar, precisava de uma dose de cachaça, a televisão do bar estava ligada num daqueles programas sensacionalistas, com um cara ganhando audiência com a desgraça alheia, geralmente não ligo para isso ,nem na minha folga, mas, dessa vez me chamou atenção, falava de um cara encontrado morto na minha quebrada, com as calças abaixadas e com a cabeça aberta, o cara disse que a policia está investigando, o que se tratando da quebrada, não quer dizer nada. Tomei duas doses de cachaça e fui para casa, quando saltei do ônibus, fiz questão de passar o mais longe o possível do local, queria me desvencilhar daquilo, cheguei em casa, dei um beijo na minha esposa e me sentei no sofá para descansar, liguei a tv para assistir ao jornal, mais uma noticia sobre o defunto, porém, dessa vez eu gelei, alguém viu um homem por ali e deu descrições, parei para assistir, como se fosse um pênalti em final de campeonato, foi visto um homem, negro, em torno de trinta anos, corpulento e com mais ou menos um metro e oitenta, tive uma mistura de alivio e nervosismo, afinal de contas, sou magro e não chego a um metro e setenta, eu já acostumei com essa ideia de um “negão”, alto, corpulento, não posso dizer que estranhei, mas, ainda era comigo.

Eu virava de um lado para o outro, não conseguia dormir, só conseguia pensar em uma coisa, que foi a pessoa que me viu? Foi uma pergunta quase retorica, eu sabia a resposta, foi aquela velha, aquela velha que parecia gagá, mas, não era tanto assim, decidi que tinha que tomar uma atitude, decidi e fui dormir. Acordei com um pensamento pronto, tinha que sair da cidade, no entanto, tinha que me livrar daquela testemunha, aquela velhinha, mandei uma mensagem para o meu ajudante, dizendo que não me sentia bem, disse até mesmo que já não me sentia bem no dia anterior e que por esse motivo, eu não ia trabalhar e que ele não precisava ir, inventei uma desculpa para a minha esposa, disse que tinha algumas coisas para resolver, saí ainda pela manhã, fui até o terminal rodoviário, comprei uma passagem de ônibus para a minha terra, no sul do país, passagem só de ida para o dia seguinte, logo cedo, voltei para casa e disfarcei um pouco assistindo televisão, já estava passando os programas de futebol; minha esposa foi a feira, assim que ouvi o barulho do portão fechando, me levantei e apanhei a minha mochila, tirei todas as minhas ferramentas, acabei fazendo uma pausa enquanto olhava para o martelo no canto... Joguei umas roupas dentro da mochila, eu queria deixar ela pronta, sem tempo a perder, arrumei a minha bolsa, antes da minha esposa voltar, eu saí com a minhas ferramentas numa sacola de feira, com a intenção de vender para uns conhecidos, peguei todas, menos o martelo, levei as minhas ferramentas e vendi todas, não deu quase nada, o que deu uma quantia melhor foram os maquinários, furadeira, serra, deu um valor que eu julgava merecer. Voltei para casa, minha esposa já tinha chegado obviamente, eu disse que fui na casa de um amigo, emprestar uma ferramenta para ela, sempre fazia isso, ela já estava acostumada com isso.

Fui dormir, dormir com um sono que se dorme antes de uma missão, não senti medo exatamente, me sentia decidido e como se fosse um tudo, ou nada, dormi bem e pesado, logo o relógio despertou as cinco da manhã, acordei de sobressalto, vesti uma roupa rapidamente, peguei a marmita na geladeira coloquei numa sacola, pois a mochila estava cheia de roupas, peguei o martelo e fui trabalhar, fiz o mesmo caminho em que encontrei a velha, encostei em um canto e esperei, a velha demorou um pouco mais do que no outro dia, demorou uns trinta minutos, no entanto, eu a vi entre o matos, com uma sacolinha de pão, me desencostei de onde eu estava e fui em direção dela, ela me viu e me desejou bom dia, desta vez, eu disse um bom ida, alto, bem audível e fiz menção de passar por ela; assim que ela se viu, eu aproveitei o impulso e a acertei com o martelo, espirrou um pouco de sangue em minha mão, pouca coisa, foi uma pancada seca, a velha caiu pesadamente no chão, abafada pela terra e mato rasteiro, puxei o corpo mais ou menos para onde estava o corpo do outro sujeito. Joguei o martelo para longe no meio do mato e fui embora, coloquei as mãos nos bolsos e fui pegar o ônibus em direção ao ponto de ônibus, fui direto para o terminal rodoviário.

Cheguei no terminal um pouco mais cedo do que estava previsto o meu ônibus, então parei para tomar um café, extremamente caro, mas, fazer o que? A pequena TV da lanchonete estava ligada, num daqueles jornais matinais falando do trânsito e noticias de ontem, entre essas notícias, falaram novamente do estuprador que eu matei, na verdade, disseram que tinham mais informações, descobriram o nome, escutava de canto, como se não fosse comigo... Israel Bustamante, nome pouco chamativo, graças a Deus, disseram que há umas duas horas, haviam denunciado mais um assassinato deste tal Israel Bustamante, eu já era dado como um assassino serial, foi a mesma testemunha que tinha feito a descrição que fez a denúncia, a realidade do que eu tinha acabado de fazer tinha caído sobre mim como uma bomba, a velha não tinha nada a ver com a história...

Sorvi o café como se não estive ainda pelando, paguei e fui embora, já estava praticamente na hora, joguei o meu celular num lixo qualquer, fui em direção a plataforma do ônibus, no momento em que desço as escadas da plataforma o ônibus chega, corro na direção dele, o motorista desce com uma lista e logo pergunta o meu nome... Israel Bustamante, entreguei o meu bilhete e fui me sentar, se depender de mim, nunca mais ouvirão esse nome de novo.

Lamento somente pela minha esposa...

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 24/01/2019
Reeditado em 07/09/2020
Código do texto: T6558672
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