Caio nasceu em berço de ouro. Não que o dinheiro fosse para ele uma regalia, mas era de iluminado, desejado. Nasceu numa família que o aguardou com amor e cuidado, embora sempre tivesse algum conflito entre os pais, ainda imaturos e pouco experientes, na “construção familiar de base sólida”.

Caio crescia rápido, nem mais usava sapatos de pano e já esboçava um sorriso. Aprendeu a se sentar e a reconhecer as “caras e bocas” da família. Já atendia um aceno e rastejava pelo chão.

Agora Caio comia feito “gente grande” e já tinha largado a mamadeira. Era um menino moleque de calças jeans.

Caio recebia ordens dos seus pais e havia experimentado, poe engano, a fúria de um deles quando derramou a caneca de leite sobre o sofá.

É, Caio era criança, mas cresceu. Era um menino. Todos os dias o pai de Caio estava cansado do trabalho e de suas rotinas. Não dormia direito e a culpa era de Caio, afinal era mimado, mal educado, não tinha rotina, era indisciplinado.

A mãe de Caio, muito atarefada, corria de lá pra cá, deixando tudo em ordem, mesmo depois de suportar 8 horas de direção num lugar ermo, perigoso e num equipamento em que seus "olhos de trás" eram do seu braço direito, um aparador pra lá de esquisito que vivia com um rádio e uma bíblia ( nunca o viu lendo, mas estava lá). O cabelo já não era o mesmo, as unhas sujas e descamadas. O corpo agora era estoquista de comida a longo prazo e abarrotada de conservantes e corantes.

- Cadê o batom, mãe?

-Só se for de leite, filho. Do resto do copo que bebi enquanto lhe ajudava na refeição!

Tudo foi mudando junto com o Caio, até que um dia, o pai, cansado daquela rotina e despreparado, decidiu juntar suas coisas e cuidar de si mesmo, afinal, aquela relação não era a mesma. Precisava de liberdade! E a conquistou por direito.

A mãe (Maria, só podia) continuava correndo atrás do prejuízo e lá se iam os anos. Até que o pai, fragilizado resolveu dar oportunidade para uma nova mulher em sua vida, era um namoro sério. Pegava Caio sempre, a guarda era compartilhada. E passeava de mãos dadas, todos juntos. A mãe, agora se deu uma oportunidade, estava certa de que encontrara uma figura masculina perfeita para o papel físico de pai, casou-se e foi ser feliz (junto com Caio, claro).

Mas de repente, a madrasta de Caio tinha uma surpresa:

-Você vai ganhar um irmãozinho!

Teve festa, comemoração e Caio não podia ir, porque Caio atrapalhava. O irmão nasceu e Caio não podia ir, porque Caio era barulhento. E sete meses se foram até que numa tarde, o pai de Caio ressuscitou e levou Caio para comprar tudo da festinha do Hugo. Era no fim de semana. Caio estava empolgado, até que, numa mensagem de celular, a madrasta (que não permitia que pai passasse o número do telefone) disse que houve um imprevisto, e pior, este imprevisto ficou estampado no status do Wattsapp por duas semanas, sendo atualizado dia a dia: a festa aconteceu, mas Caio não era bem vindo. Caio menino, era de outra família. Mas Caio, não desistia e sempre cobrava de sua mãe a presença do pai, embora tivesse, por descuido de amor, nominado o padrasto por diversas vezes de pai.

No último Natal esperou apenas uma ligação do pai, que aos 43 minutos do segundo tempo (após a insistência da mãe em contactar a ex sogra para fazer o intercâmbio) fez um gol de placa, com sua ida excepcional à casa do menino e com um presente.

A mãe de Caio o levou na psicóloga, neuropediatra, no psiquiatra porque ele repete sempre que a culpa de o pai não gostar dele é seu nascimento. Mas depois de tantas sessões, sem êxito, recebeu alta:

-Pra cuidar da alma é preciso usar remédio. Se não abre, não cicatriza... Deixa o tempo dar conta dele, digo disso...

A mãe que só fala bem do pai para evitar uma alienação parental, queria “correr atrás dos seus direitos” e foi pedir ajuda para um advogado de família. Mas a resposta a surpreendeu:

-Quanto vale um amor, Maria? Tem como pagar? Amor não se paga. Imagine que durante o processo o filho acabe descobrindo que o pai, aquele moço despreparado, além de desprezá-lo e rejeitá-lo, não o ame? E ao invés de receber em dinheiro, receba em dor, magoa, decepção. Ah mãe, pense bem. Tem amor que cura, outros matam, violentam, esquartejam, decepam. Vai saber que amor é esse... Caio carece?

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 20/02/2019
Reeditado em 07/12/2021
Código do texto: T6579834
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