Itinerário

O suor, oriundo da testa enrugada, oleosa e marcada pelo Sol, pinga no chão. A tensão aumenta. Adrenalina nas veias e fome. Sim, fome. A dor aperta. O estômago reclama. O artefato metálico, de calibre 38, que carrega na cintura, impõe um peso incompatível com o tamanho. Como se o medo tomasse seus sentidos para si. Ele não pensa. Impossível pensar. Sem chances. Anestesiado. Ele estende a mão, dando sinal para o coletivo.

Freada.

Escada.

Catraca.

Ele salta sobre. Olhares apreensivos. A mãe abraça firme o filho de colo, o senhor fecha os punhos, a madame agarra a bolsa. Procurando palavras no banco de dados limitado. A fome aperta.

— Primeiramente, boa tarde, pessoal. Desculpe incomodar silêncio da viagem de vocês. Me chamo Pedro, mas todos me conhecem como Junior. Eu sei que ninguém tem nada a ver com minha vida, mas eu tô com fome, pessoal. Assim, se alguém puder...

Freada busca. pior do que a primeira. Essa não estava programada. O corpo desloca. Física pura. Segura. Firme. Na. Barra. Costela na catraca, dor e... a fome. Sim, muita fome.

— Tá louco, maluco?! Olha por onde anda! — Exclama o motorista.

— Voltando ao que eu estava falando, pessoal. Se alguém achar que cinco ou dez reais não farão falta na sua mesa... eu peço, gentilmente, que vocês me ajudassem a matar minha fome. Olha... eu poderia falar que minha vida é difícil, mas ela é assim pra todos nós, não é mesmo? É difícil pra todos. Eu sei que muitos estão indo ao trabalho agora. Eu gostaria de ter um.

Estamos no Brasil, precisamente em Fortaleza, capital cearense. Lugar onde os políticos se esbaldam e o povo sofre. Eles curtem às regalias enquanto o povo perece nos corredores de hospitais imundos.

— Então, pessoal. Minha parada tá chegando e se alguém achar que pode me ajudar... por favor, eu tô com fome.

O silêncio prepondera. É aterrorizante, como "A Bruxa", Lembra? Aquele filme de terror psicológico do diretor Robert Eggers.

Ele lembra da arma. Reluta. É impossível. Como nos desenhos animados, um Ser celestial e uma criatura das trevas cochichando no "Pé do ouvido". A diferença é que, nesse caso, o Ser celestial foi torturado e teve o crânio perfurado com o tridente.

Ele põe a mão na cintura. Reluta. Bem ou mal? Fome. Reluta. Reflete. Não, impossível pensar. O emocional baila, a razão? Não sei. Sua mãe. Sim, ela disse para não roubar nada de ninguém. NUNCA. Mas ela não está aqui. Foi morta. Morta pelo padrasto ciumento. No chão da cozinha. Ele quem devia morrer. Desgraçado. Canalha.

A raiva toma conta.

Foda-se!!!

Não querem pelo bem, será pelo mal.

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— Aqui, meu filho. — Uma nobre senhora sinaliza com a mão. O balançar da nota faz os olhos do rapaz brilharem.

Passadas largas.

Felicidade.

Arma esquecida.

Alegria. Pensava ser uma sensação utópica. Não, é real.

— Obrigado, senhora. Deus te abençoe.

A quantia era pequena, mas o suficiente para aquele momento.

FIM.