Liberdade

Era uma noite de sexta-feira; só outra noite qualquer, pensei. Julio já dormia e exalava cheiro de bebida no quarto, enquanto na sala de estar, meu pequeno César assistia, totalmente vidrado, seu desenho favorito no celular.

Já passava das 22 horas e a hora de dormir do meu filho também. Já sabia que fora um erro tê-lo deixado assistir até mais tarde. Assim que tentei tirar o celular de suas pequeninas mãos, a gritaria começou. César era autista, assistia "Procurando Nemo" todos os dias quase como uma obsessão e fazê-lo se desligar sempre era um desafio.

Sua crise fez com que meu marido acordasse e os gritos dos dois se tornaram um só. Julio ainda muito alcoolizado foi pra cima do pequenino na tentativa de cessar seu choro.

E mais um vez senti meu rosto arder. Pra proteger meu filho, fui apenas um objeto jogado ao chão. Algo insignificante para que um homem despejasse sua raiva e provasse sua masculinidade frágil.

O choro do filho me atordoava, o tapa não me surprendia e o desejo de ser livre me acendia. Sim, eu estava acesa de raiva, medo, dor e de vontade de viver uma vida digna.

Era pra ser só mais uma noite, mas eram 23 horas e lá estava eu com uma mochila nas costas e um filho no colo no metrô da Liberdade...