PÁSCOA, CHOCOLATE E RESSURREIÇÃO.

Anderson Leonardo era o nome verdadeiro do Mosquito, o menino sardento e magrelo de treze anos. O nome foi dado em homenagem ao líder do grupo de pagode Molejo. O pai de Mosquito, Reinaldo, ficava o dia todo cantarolando as músicas do Molejão. A mãe do menino, Vanda, fazia faxinas nas casas de madame no Leblon. Vanda praticava pequenos furtos nas residências e passou a figurar nos meios policiais. Ela iniciou o marido nas drogas e no álcool. Reinaldo comprou o próprio barraco, na favela da Morcega. Era um dos líderes do tráfico. Dois anos depois um grupo rival quis tomar o controle da área. Reinaldo e seis amigos entraram em conflito com os rivais. Uma guerra por espaço na Morcega deixou oito mortos, noticiaram os jornais!! Reinaldo estava entre os mortos. Vanda entrou em parafuso e veio para São Paulo, deixando o filho de cinco anos com seu irmão, Teobaldo. Ele, a esposa Juscelina, os filhos Hugo e Tiago, moravam num sítio. Era um local distante da cidade. Mosquito não ia pra escola. Teobaldo não queria gastar com material escolar. Ele e a mulher não davam a mínima para o sobrinho, a quem consideravam um estorvo. -" Esse imprestável só dá gasto!!!" Dizia o tio de Mosquito. Era tratado de modo diferente dos seus primos. Hugo, de doze anos e Tiago, de treze, sentiam prazer em bater no indefeso Mosquito. Ele dormia no chão e recebia menos comida que os outros. A ele cabia a higienização da privada e outras tarefas insólitas. O garoto cresceu e cresceram também os maus tratos e surras. Era proibido ao garoto ligar a tevê, sentar com os outros pra se alimentar e reclamar de qualquer coisa. Juscelina falava horrores ao sobrinho. -" Seu pai não prestava. Sua mãe caiu no mundo!!!" Mosquito ouvia em silêncio. Ele gostava de olhar os jornais que vinham embalando peixes que o tio trazia da cidade. Herdava as roupas e brinquedos dos primos. A família viajava no Natal e na Páscoa. Mosquito ficava trancado em casa. Uma semana sozinho. O menino criou um amigo imaginário, Juliano. Três anos depois, uma mulher surgiu num táxi em frente ao sítio. Domingo de manhã. Risoleta, a mãe de Vanda e avó de Mosquito veio visitar a família. Trazia más notícias. Vanda morrera de overdose na Cracolândia. Mosquito nem chorou. Teobaldo e Juscelina se olharam. Previam isso. A avó abraçou o neto. Mosquito estava cheio de piolhos. Estava magro. Estava cheio de hematomas. Risoleta ficou brava com Teobaldo. -" Vou levar meu neto!!!" Mosquito vibrou de felicidade. O sítio era uma prisão. Era um tormento viver alí. Mosquito foi morar num cortiço na Lapa. Ele foi matriculado na escola. Curtia as histórias que a avó contava. Gostava dos bolinhos de chuva, da sopa e de sua cama com colcha do Mickey. Risoleta morava sozinha. Tinha sessenta e cinco anos. Recolhia papelão e latinhas pelo bairro. Mosquito estava no paraíso. Adorava a merenda escolar. Estava muito atrasado no ensino. Ficava horas jogando futebol de rua. Mosquito ajudava nos trabalhos domésticos. Ele fazia de tudo no sítio. Mosquito frequentou a catequese, na igreja da avó, por seis meses apenas pois Risoleta faleceu. Atropelada por um motorista bêbado. Eduardo, o chefe do cortiço, disse ao menino que ele iria para o orfanato ou pra casa de algum parente. Com medo de voltar ao sítio, Mosquito fugiu pras ruas. Não foi ao velório da avó pra não cruzar com o tio, Teobaldo. Andou a noite toda, debaixo de chuva, até o centro do Rio. Dormiu na Candelária. Fez amizades com outros garotos de rua. -" Se o seu tio já foi policial, vai vir atrás de você, Mosquito!!!" Disse Luan, o líder de dez garotos. Tinha quinze anos e sabia de tudo. Aconselhou o novo morador de rua a ir pra São Paulo. Os garotos levaram Mosquito pra rodovia. Luan conversou com uns caminhoneiros. Mosquito veio pra São Paulo de carona. Veio com a carga, debaixo das lonas. Veio com fome. Nas ruas da Moóca fez amizades com Renatinho e Joca. Vendiam balas e limões nos semáforos. Dormiam na praça da Bíblia. Frequentavam o lixão. Disputavam os restos de comida das lixeiras com os cães e gatos. Mosquito tinha treze anos. Tinha vontade de ter um lar. Tinha saudades da avó. Tinha vontade de comer um ovo de Páscoa. Nunca tinha comido um. -" Vai engolir o vidro, Mosquito." Disse Renatinho, ao ver o outro vidrado num comercial da Lacta, na tevê da loja. -" Nunca comi ovo de Páscoa!!!" Respondeu Mosquito. -" Vixe, ferrou. É muito caro, mano. Tipo muito mesmo." Disse Renatinho. -" É simples, galera. A gente rouba um ovo no mercadão!!! Um grande pro Mosquito se lambuzar de chocolate!!!" Propôs Joca. Os outros riram. CONTINUA.....

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marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 18/04/2019
Reeditado em 19/04/2019
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