PÁSCOA, CHOCOLATE E RESSURREIÇÃO. Parte final.

-" De jeito nenhum comerei ovo de páscoa roubado. Minha avó me ensinou a não pegar o que não era meu." Mosquito deixou os amigos e foi andar pela cidade. Quem sabe não conseguiria uns trocados guardando carros? Falava sozinho enquanto andava. Sexta feira santa. No ponto de ônibus duas mulheres discutiam o alto preço do bacalhau. -"Amiga, o preço do ovo de páscoa está um absurdo. Onde já se viu dar oitenta reais num ovo???" Disse uma delas. Mosquito entrou num supermercado. O corredor dos ovos de páscoa era lindo. Ovos com embalagens coloridas no alto, formando um túnel de delícias. Ovos com brinquedos. Ovos com personagens de desenhos. Ovos de super heróis. Mosquito salivava. Sonhava. Olhos nos ovos de páscoa. Sentiu uma mão forte lhe apertar o pescoço fino. -" Pra fora, vagabundo!! Não vem roubar aqui, não!!!" O menino foi levado pra fora do local. As pessoas olhavam a cena, sem reações. Apenas um senhor idoso gritou pra soltar o menino. Ninguém socorria Mosquito. -" Eu só estava vendo, tio!!! Não sou ladrão..." Disse Mosquito ao segurança brutamontes. A voz saiu fraca pois o pescoço doía. Ele sabia de histórias de garotos de rua que foram mortos por seguranças de mercados e shoppings. Evitava entrar nesses lugares. Mosquito viu uma procissão sair de uma igreja católica. Era uma encenação da via sacra. Um rapaz representava Jesus levando a cruz. Túnica branca com sangue e coroa de espinhos. Um padre com um alto falante a frente de centenas de fiéis. Eles paravam nas estações da boa sacra. Orações e cânticos. Jovens vestidos de soldados romanos gritavam palavrões e fingiam que batiam no Cristo. Mosquito arregalou os olhos. Jamais vira aquilo. Ele se enfiou entre as pessoas. Queria ver a encenação de pertinho. Ele olhava para os semblantes das pessoas. Estavam tristes. Cantavam um cântico que dizia que prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão!!! Mosquito nada entendia. -" Páscoa é isso? Dor e morte de Jesus ou alegria dos ovos de chocolate??!!!?" Pensou o garoto. Os soldados jogavam tinta vermelha na cabeça do ator que interpretava Jesus. Parecia sangue real. Mosquito desatou a chorar. Sentiu raiva dos soldados. Socava o ar. Uma senhora colocou a mão na sua cabeça. -"Filho, é só teatro!" Mosquito engoliu em seco. -" Jesus morreu assim? Carregando a cruz pesada???" A mulher sorriu. -"Sim mas no domingo ele ressuscitou no domingo de Páscoa!!!" Mosquito se acalmou. -"Ahhh, bom!!!" No sábado, Mosquito foi até o cemitério do Campo. Andou por uma hora. Alguns voluntários, aos finais de semana, distribuíam sopa aos moradores de rua. Decidiu dormir na praça da Bíblia. Colocou o papelão sobre o banco. Cobriu-se com um pano empoeirado. Estava frio. A cidade vazia devido ao feriado. Os primeiros raios de sol. -" Não há latinhas nas lixeiras. Vou ficar aqui mesmo!!!" Disse a si mesmo. Ele perambulou pela praça. Recolheu copos descartáveis e outras sujeiras. Sempre fazia isso. Gostava de limpar a praça. Uma mulher sentou-se num banco. Mosquito a viu. Estava longe. A mulher tinha uma sacola. Ela olhou para o garoto. -"Oi... venha aqui, por favor!!!" Acenanava em direção de Mosquito. Assustado, o garoto foi até ela. -" Eu?!! É comigo?!!" Ela era linda. Olhos azuis. Estava bem vestida e tinha gestos delicados. -"Senta aqui, meu amigo!! Sou Ana Luiza!!!" O garoto sentou-se na ponta do banco, longe da moça. -"Qual seu nome????" O que uma mulher bonita e jovem queria com ele, um Zé ninguém?! Pensou Mosquito. -"Anderson!!!!" A moça sorriu. -"Você é tímido. Gosto de vir aqui no domingo de Páscoa. Brincava aqui com meus irmãos!!!" Mosquito sorriu. Meneou a cabeça afirmativamente. -" Você gosta de ovo de páscoa???" O garoto abaixou a cabeça. -" Não sei, moça. Nunca comi ovo de páscoa!!!" A moça engoliu em seco e deixou uma lágrima cair. Ela abriu a sacola. Tirou dela um ovo de páscoa. A embalagem fez barulho. Mosquito sorriu. -" Vamos dividir??? É grande só para mim!!! Vou deixar você abrir!!!" Mosquito abriu o ovo. Dentro havia bombons coloridos. -" Coma a vontade, Anderson." Ana Luiza ria ao ver o menino com a boca suja de chocolate. Ela se sentiu bem. Há tempos ninguém o chamava de Anderson. -"Obrigado, moça. É a minha melhor páscoa!!!" Disse o choroso Mosquito. Ana Luiza perguntou sobre a família do garoto. Mosquito mostrou a ela o RG que a avó tirara pra ele. Em poucos minutos resumiu sua história de vida. Ana Luiza parecia triste. Olhava para o horizonte. -" Você está bem, moça???" Ela enxugou as lágrimas. -"Sim, meu anjo. Todos temos uma cruz. Uma história com alegria e dor. Sou casada e estou grávida mas pedi o divórcio. Ele é ciumento e possessivo." Mosquito pouco entendeu. -"Vai dar certo! Hoje é dia de alegria. Dia de chocolate!!!!" Ana Luiza sorriu mas logo o sorriso desapareceu. Um homem forte veio só encontro deles. Ana Luiza empurrou Mosquito. -"Vai, amigo. Vai embora!!!" O garoto se afastou. Ana Luiza levou um forte tapa do homem. -" A governanta disse que você saiu. É esse seu amante???!!??" Ana Luiza estava em choque. -" Está louco, Abelardo!!! Meu pai vai saber disso!!! Me deixa em paz!!!" O homem virou de costas e deu quatro passos. Mosquito percebeu que Abelardo tirava um revólver da cintura. Abelardo se virou e mirou na esposa. Ela ergueu a cabeça e empalideceu. Um tiro. As pombas voaram. O vento soprou as folhas secas no chão. Abelardo fugiu. Ana Luiza segurou o corpo franzino daquele menino de rua. Ele correra e se colocou a frente dela. Um tiro na testa. Mosquito estava morto. Um anjo na vida dela. Ana Luiza o colocou no chão. Ela estava em prantos. Ligou para o pai. Ligou para a polícia. Ana Luiza era advogada. O pai era deputado federal, um político influente. Ana Luiza cuidou do funeral de Mosquito. Fez questão que ele fosse sepultado no jazigo da família. Era seu anjo, ela dizia aos familiares. Os amigos de rua Renatinho e Joca souberam da história e foram ao velório. Mosquito era um herói. A história ganhou os jornais. Abelardo foi preso, dois dias depois. O pai de Ana Luiza propôs a mudança do nome daquela praça. Seria a praça Anderson Leonardo da Silva e Santos. Abelardo e sua família souberam da história de Mosquito através do Jornal Nacional. O sobrinho era nacionalmente conhecido pelo seu gesto de dar a vida pelo próximo. Mosquito abriu os olhos. Passou a mão na testa. Olhou e não tinha sangue. Estranho!! Sentiu uma paz profunda. Estava agora cercado de pessoas de branco. Apertou os olhos pra ver melhor. -"Bem vindo, meu amigo!!!" Quem era aquele homem??? Mosquito olhou bem. -" Não me reconhece???" Mosquito abriu os braços. -" Ah, mano. Não sei mesmo." O homem sorriu. -" Prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão!!!" Mosquito recordou o cântico da via sacra. -" Eu dei a vida pela humanidade. Dei a certeza de ressurreição. Não há o que temer." Mosquito estava diante de Jesus. Eles se abraçaram. -" Foi muito lindo o que você fez, Anderson. Você entendeu o verdade sentido da Páscoa!!!!" FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 20/04/2019
Reeditado em 20/04/2019
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