DE VOLTA AOS ANOS OITENTA, PELO MENOS EM PENSAMENTOS!

Raquel, naqueles anos, ditos hoje como nebulosos, desfilava para lá e para cá, parecia uma menina, de longe, uns treze anos, de perto, narizinho empinado, boca pequena e olhos brilhantes, acomodados, já no meio de alguns pés de galinha, davam-lhe um pouco mais, talvez uns dezessete anos.

Ela estava na mesma sala, com o filho do prefeito, rapaz que cursava o segundo ano colegial.

Ia na casa das amigas, à escola, na cidade vizinha, bem maior que a natal.

O compromisso era estudar, ser amiga das amigas, fazer jus, as benesses que lhe alcançavam os pais, ambos funcionários públicos, o pai do estado e a mãe da união.

Embora a mãe fosse concursada, o governo de exceção não precisava recair sobre ela, entrasse ano ou saísse, o cargo de chefia máxima da repartição, na localidade, bem que poderia saltear entre os funcionários mais antigos, quem sabe passasse até pelo titio Anacleto. Não, não,foi melhor assim, pois imaginem o tamanho que tomaria a arrogância da tia emprestada, hoje viúva de Anastácio.

Mesmo tendo o pai de Raquel falecido, vitimado por uma imprudência com agrotóxicos, elas, mãe e filha, ainda continuaram n a pequena cidade, até que a tal abertura e a tal democratização do Brasil, quebrou a vitaliciedade informal, da chefia na repartição, então já com tempo, venderam casa, chácara e se bandearam à capital.

Raquel, um pouco mais encorpada e crescida, formou-se, casou-se, vieram os filhos e a militância, de prima, só para agradar o sindicato. Eram chás e cafés, muito papo e vida social, mas nada mais compromissado.

Um dia, reunidos no sindicato, Florêncio, um colega, toma a palavra e de dedo rijo sentencia:

- Corremos perigo, a ditadura está de volta, temos que resistir!

A resistência passa pela educação!

Raquel não falou nada, mas pensou. Puxa vida, estão querendo me meter em confusão, estava tão bom, quando a meta era passar de ano, pouco importando se tivessem aprendido algo.

Já amadurecida, deu-se conta, que se não fosse a nebulosidade, mamãe não teria incorporado aquela polpuda função gratificada e agora, vinha Florêncio querer que ela se rebelasse contra a ordem que estava sendo posta na bagunça implantada.

Enquanto pensava, ouviu o Florêncio chamando-a:

- Colega Raquel, pela tua difícil adolescência, junte-se a nós na próxima manifestação, não deixe que as mudanças propostas, pelo que chegaram agora, idiotizem nossos filhos.

Raquel, com os cabelos curtos e mal cortados, uma ponta aqui, outra ali, com luzes, esmaecendo, dando conta dos brancos, que os anos lhe impuseram, calada, só queria estar descendo a rua, como nos anos oitenta do século passado, com os então cabelos longos e dourados naturalmente esvoaçando sob o açoite do vento do começo das primaveras, pois o que ela mais queria agora era voltar aos tempos sem cobranças desnecessárias.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 27/04/2019
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