A PRIMEIRA VEZ QUE VI RICARDO

A primeira vez que vi Ricardo

Nada como uma boa e cansativa rotina na vida de uma mulher. Todos os dias acordo as cinco da manhã, lamento por não ser sábado ou domingo, ando até a janela e olho o céu ainda negro. Corro até o banheiro e permito que a água fria leve embora o que ainda resta de sono. Tudo normal até então.

As quinze para às seis já estou no ponto aguardando o coletivo que a essa hora, ainda bem, vem vazio. Bocejo milhares de vezes. No céu a luz diurna já desponta dando a ele um tom alaranjado. Só Deus para criar tamanho espetáculo. Dentro do ônibus consigo um lugar na janela, maravilha, vou poder curtir um cochilo até o trampo sem problema.

Cinco pontos depois do meu subiu um cara alto, bem vestido, bonito, com uma mochila de couro nas costas. A essa altura já não havia mais lugares, o ônibus estava relativamente cheio. Ele arrumou um jeito de ficar confortável, na medida do possível no meio daquela confusão. A viagem seguiu e eu sempre com sono até que meus olhos se cruzaram com os do rapaz. Ainda sonolenta desviei o olhar algumas vezes, mas ele não tirava os olhos de mim. Comecei a sentir um certo incômodo. Sem jeito Fechei os olhos fingindo dormir. Não demorou cinco segundos. Lá estava ele me hipnotizando.

Faltando dois pontos para o meu, eu resolvi entrar no jogo. Segurei o olhar durante uns longos segundos e quando percebi já era hora de descer. Que pena. Desci do coletivo e de repente me vi com saudade de um estranho. Quem sabe uma longa jornada dentro de uma loja não seja o suficiente para esquecê-lo?

Trabalhar foi complicado naquele dia. Tive que dividir os pensamentos entre vender bem e o estranho do ônibus. Ele não saiu da minha cabeça hora nenhuma, que loucura. Voltei para casa, preparei o jantar antes que meu marido chegasse do trabalho. Enquanto minha filha fazia o dever de casa, eu fui para o quarto conferir minhas redes sociais. O estranho do ônibus ainda rondava minha mente. Perto das vinte horas Alexandre chegou. Jogou sua bolsa no sofá e andou até a porta do quarto.

- Oi!

- Oi, amor, a janta tá pronta. – sigo olhando o celular.

- Legal. E a Luísa?

- Fazendo dever de casa.

Jantamos, todos juntos como uma família deve ser. Depois do jantar cada um seguiu seu rumo. Luísa foi para o quarto assistir o seriado. Alexandre ficou na cozinha fazendo anotações em sua agenda e eu me deitei no sofá olhando a TV com a mente no rapaz do ônibus. O programa de humor segue e eu não consigo prestar atenção.

Querendo afastar de vez os fantasmas que assombravam minha mente, me joguei nos braços de Alexandre. Fizemos amor gostoso, proporcionei ao meu marido uma hora de sexo sem contar com as preliminares. Pronto. Era o que faltava para fechar o meu dia.

Lá estava eu outra vez dentro daquele ônibus. Graças a Deus mais uma vez consegui um lugar. Não queria admitir, mas eu estava louca para vê-lo mais uma vez. Ele subiu, dessa hoje ele está vestido um pouco mais informal. Fones de ouvido, mochila nas costas, bem barbeado, um gato. Minha respiração ficou pesada, parecia que eu não estava no ônibus, eu só tinha olhos para ele. Que loucura. Estaria eu dando margem para algo errado?

Finalmente ele me visualizou. Com certeza ele gostou do que viu. Pela primeira vez não sequei os cabelos e nem os prendi. Entrei no jogo. Fixei meus olhos nele com o coração na boca. Como sempre ele me fuzilava sem dó. Uma idosa subiu e eu cedi meu lugar. Ficamos a uma pessoa de distância. Ele continua me olhando quando a pessoa saiu do nosso meio. Nervosa passei a olhar a paisagem passando como borrões. Não resisto e volto a paquerá-lo. Ele ensaia um sorriso e eu sigo séria. Sentia o suor escorrer no meio das minhas costas quando inesperadamente ele faz um gesto me perguntando o meu número.

Sinto uma secura na boca. Tento não rir mas é mais forte do que eu. Ele me pergunta sem emitir som.

- Tem Whatsapp?

Digo que sim com a cabeça. Ele saca seu celular do bolso e olha pra mim. Um a um vou falando os números. Ele os salvou nos contatos quando chegou o meu ponto. Lá fora eu consigo vê-lo gesticulando dizendo que me ligaria. Chocada, fiquei petrificada, o que eu fiz? Sou uma mulher casada. (continua)

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 27/04/2019
Código do texto: T6634016
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