" Cê tá bonita hoje, hein amor..."

Quando mamãe nos deixou, vitimada por um aneurisma cerebral, faltaram-nos os aconchegos das colchas de retalhos, cheiros de quitandas fresquinhas saindo do forno de barro, suas risadas, o abraço caloroso em nos receber. Nossa casa tomou dimensões cavalares em cumplicidade com os dias subsequentes.
Camuflei essas amarras no lado maternal do peito e pus os olhos para passear, embora nem a brisa acariciando minha face , tornaram os músculos menos enrijecidos.
O riso não se revelou, talvez pela inquietude de retornar pela primeira vez à nossa moradia, no interior de Minas, posteriormente à partida de papai.
A dimensão dos cômodos de nossa casa seria fidedígna à dor pela despedida do último de nossos pilares.
Despertei-me momentaneamente na Avenida Afonso Pena, ao ouvir de um transeunte desconhecido:
"- Cê tá bonita hoje, hein, amor..."
Depois que passei por ele, o riso brotou, fiquei pensando
nos chavões, frases prontas que tanto abomino!
-Não se preocupe com isso não, menino!
Verdadeiro ou não, esse veio como um bálsamo efêmero!
"-Sorria, você está sendo filmado!"
Rosa Alves
Enviado por Rosa Alves em 23/05/2019
Reeditado em 11/03/2021
Código do texto: T6654146
Classificação de conteúdo: seguro