A triste despedida do boêmio

Bom...

Para quem não me conhece, sou analista de departamento pessoal. Cumpro minha jornada diária de trabalho atrás de uma mesa com computador, calculadora e inúmeros papéis.

Quando se passa tantas horas do dia preso ao compromisso árduo de não errar uma vírgula, não colocar um zero a mais, não confundir nenhum número, você se sente livre e com necessidade de esparecimento ao final do expediente.

Uma das minhas atividades voltadas ao relaxamento e esquecimento do dia de trabalho é ir ao bar. Bar, boteco mesmo.

Saio do trabalho as 18:00 hrs, chego no bar por volta das 18:30. Lá encontro as mesmas pessoas de sempre, com suas histórias sempre diferentes.

Ainda que eu não esteja afim de beber nada, aquilo é como uma terapia pra mim. Conversar, absorver a existência e os dilemas cotidianos daquelas pessoas.

Uma dessas pessoas que conheci ao longo da minha frequência lá, foi o senhor Gilberto. Um homem que aparenta ter seus 50 e tantos anos e trabalha como catador de papelão, puxando sua gaiota, acompanhado sempre por dois cães.

Certa noite, estava eu sentado em minha cadeira, já posso chamá-la de minha. Com fones no ouvido, escutando um bom e velho rock and roll, já que até então não tinha ninguém interessado em conversar.

Seu Gilberto chegou. Como sempre muito falante e com suas histórias repletas de criatividade e entusiasmo.

Nessa noite, tomamos uma cerveja juntos, duas, e até a terceira.

Quando já parecia estar "calibrado", Gilberto começou a chorar. Contou-me que estava de partida. Segundo ele, viajaria para São Paulo, e talvez nunca mais voltasse.

Ele disse que sentiria falta de muitas pessoas, mas que esta é a vida. Como ele sempre foi sozinho, teria de partir sozinho para uma nova jornada, em um lugar distante. Disse também que eu seria uma das pessoas a quem ele levaria no coração e na lembrança.

Eu desconfiei totalmente da veracidade dessa história. Afinal, ele já tinha me contado tantas outras histórias de minhoca, sem braço nem perna.

Todavia, pedimos mais uma cerveja, tomamos, nos abraçamos e escutamos até Belchior juntos. Senti vontade de chorar também.

Não estava acreditando naquela história. Mas entrei totalmente no clima de despedida que ele havia proporcionado para o momento.

No final, percebi que ele estava extremamente envolvido com a história que tinha me contado. Pagou suas cervejas e saiu sem se despedir de ninguém, como quem quer evitar o choro.

Os dias se passaram e o seu Gilberto não chegou nem perto da rodoviária. Na verdade, nem lembra da história que me contou.

Nós dois sabíamos que ele não iria pra São Paulo. Mas nos dispusemos a viver aquele momento triste de despedida.

E assim, segue a rotina do bar. Sempre com histórias diferentes, personagens diferentes. E isto é vida, ou melhor, faz parte da vida.

Rafhael Morcego Franco
Enviado por Rafhael Morcego Franco em 06/06/2019
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