A INOPORTUNIDADE

– Nome?

– Vitória.

– Trabalha?

– Não... por enquanto.

– Idade?

– ...

– Sua idade...

– 30, e um...

– Um?

– ...oito...

– Salário desejado?

– Bem, ainda não pensei nisso, mas...

– Tenho que colocar na ficha.

– Bem, então... uns dois... dois e quinhentos... peço isso porque o meu currículo, o que eu trouxe... posso comprovar que...

– Na entrevista você pode explicar melhor, é porque preciso colocar na ficha.

– Tudo bem, é que podem pensar que eu quero muito, mas é que meu currículo, mesmo que eu esteja começando e você sabe como estão as coisas hoje em dia, ontem mesmo eu fui comprar um secador de cabelos e aí...

– Estado civil?

– Solteira.

– Endereço?

– Bem, eu ainda estou morando com a minha mãe e...

– Mora com a mãe?

– É... por um tempo.

– Por favor, o endereço.

– Rua Centro do Meio, 5, Humaitá.

– Experiência anterior?

– Como?

– Trabalho anterior.

– Em quê?

– Em qualquer coisa!

– ...Não.

– Nível escolar?

– Bem, eu comecei o segundo grau, mas aí...

– Primeiro grau completo. Algum vício?

– Bem, eu fumava, mas aí comecei a ...

– Não fuma mais?

– Não, é porque eu agora...

– Eu preciso dessa informação para colocar na ficha e eu preciso dela corretamente. É sim ou não?

– Fumante?

– Sim.

– Não.

– Fala alguma outra Língua?

– Não, lógico que não, aliás, nem preciso, a minha comunicação, não assim como estou agora, não, não assim , mas sempre que...

– Curso de informática?

– ... não.

– A senhora sabe que é pré-requisito?

– Pra quê? Pra ser gente? Sabia que eu sou gente? Não parece, mas eu sou. Não quero mais do que uma oportunidade, uma só... é, eu posso estar no lugar errado, aliás, muitos estão, mas qual é o lugar certo? Na rua? Na cadeia? Na prostituição? Não estou mendigando, estou pedindo...

– Minha senhora, desculpe-me, mas aqui...

– Eu sei, eu sei... não é o meu lugar... não sirvo para o cargo, não tenho “perfil”, não é mesmo? Tenho mais de 30, sem escolaridade, sem .... nada.

– Desculpe-me, mas as normas da casa exigem...

– Eu sei, não precisa se preocupar. Não quero ir contra normas, nem procedimentos, nem leis... só o que peço é uma chance, uma só, já andei muito, estou cansada, estou aflita, desesperada...

– Desculpe-me, mas muitos estão na sua condição, e o que eu posso fazer por você é...

– Muitos estão na minha condição? Qual é a minha condição? Eu não tenho nem condição! Eu não tenho...

– Desculpe-me.

– Não precisa... eu entendo... obrigada.