CABANA

Final do dia quando estava voltando para casa vi no cruzamento um pessoal com faixas e bandeiras coloridas.

Pensei comigo, lá vem manifestação contra o governo para atravancar meio mundo, mas para minha surpresa era movimento para chamar a atenção para as vendas de loteamento na periferia da cidade.

Parado no semáforo fechado, recebi o folder de uma mocinha fantasiada de fada, varinha de condão com estrela de led piscando na ponta e riso de orelha a orelha.

Sabe como é lançamento de qualquer coisa, né? Só vantagens.

Agora a maravilha das maravilhas se apresentava em forma de terreno de meio hectare, clima ameno, todo arborizado, riachinho gorgolejante a fim de formar cenário digno de livro de historinhas infantis.

Do loteamento para o centro da cidade, no máximo, uma hora.

Nos dias normais, claro.

Por absoluta falta do que fazer, no sábado pela manhã, minha mulher e eu, fomos ver o fantástico loteamento, porque talvez fosse a oportunidade para construirmos a cabana tantas vezes comentada, desenha, desejada, mas até aquela data, somente sonhada.

As quadras próximas da pista, onde os terrenos eram praticamente planos, já estavam todos vendidos ou reservados.

(Corretores são sabidinhos e sempre deixam alguns dos melhores lotes para o final das vendas quando aparece alguém com dinheiro e tolice bastante para cobrir as ofertas e ficar com os lotes que estavam reservados para o Sr. Ninguém que, por pura sorte do abestado, desistiu da compra naquele mesmo dia.)

Restavam os lotes das quadras no finzão do loteamento, quando o terreno era acidentado e praticamente dentro da mata, identificada na planta como – reserva florestal.

Pela diferença de preço entre as quadras dava para notar que não seria nada fácil construir naquele local, mas como chão é coisa que faz muito tempo que deixaram de fabricar, fomos lá para conferir o tamanho do problema.

Para dificultar as coisas passara a noite toda chovendo e as ruas recentemente abertas para o loteamento e cavoucadas para implantação de rede de água e esgoto eram um lamaçal de fazer gosto, porque a pavimentação ainda era projeto.

O corretor, mais solicito do que maitre de restaurante 5 estrelas, levou-nos num bugre sem capota para dentro da mataria.

O bugre patinou no barro vermelhão da ladeira com inclinação acima dos 45º e para chegar lá em cima, tivemos que ir a pé pisando nas muitas pedras de diversos tamanhos.

No topo do morro, local realmente belíssimo com árvores nativas, bem formadas já maduras era convite quase irresistível para quem em algum tempo da vida sonhou em viver numa cabana como os pioneiros dos tempos idos, mas o desafio para a realização do sonho não era coisa para amadores.

Entretanto quem conseguisse, seria recompensado pela beleza das montanhas ao redor, da cidade ao longe e lá em baixo o riacho brilhante como um lençol de prata entre as pedras enormes.

Esquilos, descendo pelos troncos das araucárias, vieram ver quem eram os intrusos enquanto os pássaros nos saudavam com seus acordes.

Na quadra em que me vi proprietário eram apenas quatro lotes e resolvemos ficar com o do lado Oeste para garantir que, diariamente, assistiríamos ao pôr de sol, a partir da varanda da cabana onde seriam colocadas prateleiras com alimentos para os muitos pássaros, esquilos, saruês e saguins.

A dúvida agora era decidir que material usar, se as muitas pedras e barro do terreno ou troncos de madeira porque a construção da cabana e de tudo mais que ela precisasse já estava decidido, nós faríamos tudo à mão e sem ferramentas automáticas.

Continua em SONHO REALIZADO