A JUSTIÇA CHEIA DE INJUSTIÇA

Era um dia comum no fórum de uma pequena cidade do interior de Santa Catarina. O trabalho começava ao meio-dia, os homens engravatados chegavam ao local juntamente com mulheres maquiadas, com sapatos de salto e roupas suntuosas.

O trabalho era árduo. Diversos processos, audiências, atendimento ao público. Algo corriqueiro.

Por volta das 14h00min (quatorze) horas, um indivíduo adentrou no fórum vestindo uma bermuda e camiseta velhas, bem como com um chinelo todo “estoporado”. As pessoas que lá trabalhavam olharam para aquele indivíduo com um olhar repugnante, fazendo, inclusive, comentários entre si.

O indivíduo, por sua vez, subiu as escadas do local sem dar a mínima para aquelas pessoas. Ao chegar no andar de cima o guarda lhe perguntou o que ele queria, prontamente ele falou que precisava ver o andamento de um processo. O guarda relutou, perguntando qual seria o seu advogado. O homem respondeu que não precisava informar isso ao guarda e que conversaria com a pessoa responsável sobre isso. Insatisfeito, porém sabendo que o homem tinha razão, o guarda deixou de lhe importunar.

Ao andar nos corredores daquele andar, o qual os juízes trabalhavam, o homem sentiu o preconceito enraizado nas pessoas que lá trabalhavam ao olhar suas vestes.

Dirigiu-se até a primeira vara criminal e disse que gostaria de saber qual o andamento de um referido processo. A moça que lhe atendeu, com desdém respondeu: “o senhor precisa de um advogado para isso”.

O homem lhe apresentou uma folha, o qual constava o número do processo. A moça relutou, repetindo o que havia dito, virando as costas para o indivíduo e deixando-lhe sozinho.

Insatisfeito, o indivíduo retirou-se do local.

No dia seguinte, exatamente no mesmo horário do dia anterior, um indivíduo todo engravatado, cheio de gel nos cabelos e com uma pasta de “negócios” nas mãos adentrou naquele fórum. Os funcionários do local lhe olharam sorridentes e lhe informaram que no andar de cima encontravam-se as varas cíveis e criminais. O indivíduo, sorridente, lhes agradeceu.

Ao chegar no andar de cima foi muito bem recepcionado pelo guarda, o qual não lhe fez qualquer pergunta de onde ele estaria indo. Desta forma, o indivíduo dirigiu-se até a primeira vara criminal, pois queria saber o andamento de um processo. Ele foi atendido por uma moça muito simpática, a qual lhe respondeu que somente precisava saber o número do processo, assim ela pesquisaria para ele.

O indivíduo, em extremo deboche, lhe entregou um papelzinho com o número do processo. A moça pegou na mão e pesquisou, mas, antes que ela pudesse falar alguma coisa, o indivíduo lhe perguntou: “vocês só fornecem informações para pessoas bem apresentáveis?”.

A moça, sem entender o que aquele belo homem dizia, respondeu com serenidade que o tratamento era igual para todos. O indivíduo, com um sorriso malicioso respondeu: “engraçado, dirigi-me até o local ontem, exatamente no mesmo horário, porém sem terno e com umas roupas velhas; desde o momento que cheguei fui alvo de comentários, sendo maltratado pelo guarda e, inclusive, por você”.

Envergonhada a moça ficou sem resposta.

O indivíduo, o qual era advogado há alguns belos anos, saiu do local perplexo e em sua cabeça só se passava uma verdade: “os que mais fazem injustiça são chamados de doutor e vossa excelência”.

Valéria Valle
Enviado por Valéria Valle em 28/06/2019
Reeditado em 14/06/2021
Código do texto: T6683886
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