As chaves.

Deitei as minhas chaves sobre a móvel da cozinha, com pouco custo, ela tirou uma copia da chave da própria casa para mim; para ser sincero, eu preferia que tivesse demorado mais, eu preferia que tivesse demorado ao ponto d’eu ainda não tê-la, mas, como eu a tinha, abri a porta e em seguida deixei as chaves sobre o móvel da cozinha. Ela nem sequer saiu do quarto para ver quem era, provavelmente estava dormindo, poderia estar assistindo TV, ela gostava de assistir TV até pegar no sono, as vezes ligava a TV me qualquer canal aleatório, onde estivesse passando qualquer passando qualquer programa de tarde de domingo, única e exclusivamente com a intenção de dormir, depois de um certo tempo, eu já estava acostumado.

Eu andei até a mesa e sem muita esperança de um resultado positivo, repousei a minha mão sobre a garrafa de café, garrafa essa que praticamente todas as vezes em que eu gostaria de tomar um pouco de café, ela se encontrava vazia, isso com exceção de duas vezes e em uma dessas duas vezes o café estava frio; após relembrar esses momentos, eu ergo e balanço a garrafa de café e para a minha quase agradável surpresa, a garrafa estava cheia, quase afinal de contas das duas vezes em que tinha café, uma delas o café estava frio e por isso, eu ainda poderia com essa surpresa tão desagradável quanto o fato de não ter café, vou até o escorredor de louças e pego um copo americano, coloco o copo sobre a mesa ao lado da garrafa e ao fazer o movimento para despejar o café sobre o copo, eu já vejo o vapor do café subindo na mesma medida em que o café caia dentro do meu copo, neste momento eu senti uma satisfação que eu somente havia sentido uma vez, que foi a única em que eu balancei a garrafa para ver se tinha café, tinha café e o café estava quente.

Resolvi então me sentar a mesa e aproveitar um pouco aquele café, enquanto eu sorvia o café passava pela minha cabeça o pensamento de que ela e eu havíamos marcado as dezesseis horas, eram dezesseis horas e quinze minutos e provavelmente ela estava dormindo com a TV ligada, eu entendo, ela trabalha muito a semana inteira e trabalha muito, enquanto eu não trabalho há muito tempo, sendo assim, não tenho mais aquela noção de sensação de cansaço em um domingo a tarde... De fato, um descanso para ela num momento desses é mais valioso do que o fato de estar excitada para me ver, eu sabia me colocar no meu lugar levando em conta a conjuntura da situação, talvez, eu nem fosse mais tão importante, pelo menos não como eu era a seis meses atrás... Terminei de beber o meu café e com o copo ainda exalando um vapor quase morto, eu olho para o relógio em cima da pia, já estava marcando dezesseis horas e vinte e cinco minutos, então, eu decido usar o banheiro, faço as minhas necessidades, enquanto faço as minhas necessidades tiro para refletir um pouco enquanto estou sentado no vaso sanitário, faço algumas reflexões sem sentido e sem valor nenhum, então, eu dou a descarga e lavo as mãos, aproveito e pego a escova de dentes que ela comprou para mim e fez questão de deixar na casa, para os dias em que eu durmo, achei justo, mas me agradaria mais sair antes do amanhecer, de qualquer maneira eu resolvi deixar estar.

Espremi o tubo de creme dental sobre a escova e escovei os dentes com calma, para tirar o gosto de café da boa, pois ela disse que me deixava com mau hálito, eu poderia citar vários motivos para ela estar errada, mas, preferi não discutir, pois, mesmo que meus argumentos fossem convincentes, ela arranjaria um meio para terminar com a razão, algumas vezes ela propunha uma greve de sexo. Terminei, enxaguei a boca e saí do banheiro, a porta do quarto dela ainda se encontrava fechada, olhei para baixo e percebi a luz que tremulava na fresta da porta, imediatamente eu me dirijo até o móvel da cozinha que se encontra as minhas chaves, chaves essas que além de ter a chave da casa dela, ainda tenho a chave do quarto dela, caso fosse necessário trancar a porta; pego as chaves e destaco a chave da porta do quarto e me direciono até o cômodo, enfio a chave no buraco da fechadura e com calma e silêncio eu giro a chave e em seguida a maçaneta, abro a porta aos pouco e quarto se encontra escuro, a única luz que tremulava através da fresta da porta era a da TV ligada que agora que abro a porta percebo o quão alta ela está, com a porta abeta num espaço suficiente para que eu passe a minha cabeça, eu apenas olho com cuidado para dentro do quarto e então eu vejo algo que não tinha passado pela minha cabeça, vejo ela nua e de quatro, com um vizinho atrás dela fazendo os trabalhos, ela tentava abafar os gemidos com os travesseiros.

Fecho a porta com o mesmo cuidado que abri, pego outro copo americano no escorredor e volto para a mesa para me servir de mais café, assim que me sento para tomar o café, a realidade cai sobre mim, talvez, ela tivesse feito este café para ele. Levanto-me novamente, pego o meu copo cheio de café e vou até a pia onde despejo todo o café no ralo, tiro as duas chaves que ela me ofertou do meu molho de chaves e as coloco no ralo da pia, elas não vão descer, eu quero apenas que ela veja, olho uma ultima vez para a fresta na porta do quarto e me dirijo até a porta da casa dela, abro a porta e num movimento brusco e violento bate a porta ao fecha-la; uma vizinha debruçada na janela da casa ao lado olha para mim assustada, eu a olho, faço um aceno e sorrio desejando-lhe uma boa tarde... Ao dobrar a esquina da rua da casa dela, pela primeira vez em muito tempo, me senti aliviado...

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 15/07/2019
Reeditado em 07/09/2020
Código do texto: T6696329
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