Dopamina em Binário.

Não é fácil escapar dessas correntes.

A escuridão de um quarto pequeno me envolve. O relógio marca onze horas e meia da noite, e eu vou perdendo a esperança de ter uma noite decente de sono. Inquieto, tento evitar pegar meu celular novamente. Se eu fechar os olhos, logo pego no sono e posso dormir em paz, eu penso. Mas a mente não para de trabalhar um segundo, infelizmente. A culpa de ter desperdiçado outro dia me consome, e eu me sinto miserável por ter ignorado as responsabilidades novamente para ficar usando meu celular. Tento desprezar minha vontade imensa de chegar aquela tela novamente.

Minutos se passam.

Minutos que aparentam ser horas, e eu encarando o vazio do meu quarto. Impulsivamente, estendo o braço e pego meu celular. Não mais do que quinze minutos se passaram desde a última vez, e eu já estou checando novamente minhas redes sociais. Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, a lista segue. Qual a necessidade disso tudo, eu imagino. Tem vezes em que passo tardes inteiras alternando entre os mesmos aplicativos. Com o rosto preso à tela, sentindo que não conseguiria passar mais de um dia longe desse mundo. As pessoas deviam prestar mais atenção ao perigo que vício em tecnologia pode causar.

Uma notificação chama minha atenção, me fazendo esquecer da última reflexão e levando-me até o Instagram. Rede social engraçada. A maioria das pessoas que conheço, incluindo eu, não se consideram bonitas. Então por que postamos tantas fotos aqui? É uma necessidade de chamar atenção de alguém? Ou talvez somos abençoados com temporária autoestima, nos permitindo capturar o momento em que nossa aparência não foi motivo de ódio próprio? Consequentemente, postar uma foto não significaria que esperamos algo em troca, como elogios ou até mesmo somente curtidas, para aumentar nosso ego necessitado? Não tenho certeza. Só sei que passo tempo demais aqui, observando a superficialidade que uma foto pode proporcionar. Desejando mulheres que nunca vou conhecer. Ansiando por lugares que nunca vou visitar.

Enfim, a notificação revela o número de pessoas que curtiram minha ultima foto. Não muitas, uma vez que não sou exatamente popular, porém mais do que o de costume. Uma sensação de falsa felicidade corre pelo meu corpo. Meu cérebro reage aos pixels na tela, e eu me alimento com dopamina que ele produz, enquanto encaro uma tela formada por números em binário. Uma falsa sensação de segurança era o que precisava antes de dormir.

Subitamente, acordo na manhã seguinte. Noite mal dormida, dores no pescoço e olhos cansados. Não sei até que horas fiquei acordado, mas me amaldiçoo por ter feito isso novamente. A primeira coisa que faço ao levantar? Pego o meu celular e dou atenção a minha audiência. Respondo mensagens, dou curtidas em fotos e marco amigos em publicações. É extremamente cansativo e estressante, passo os dias nessa mesma rotina, enquanto meus problemas se agravam e me recuso a lidar com eles. Minto a mim mesmo que é preciso permanecer vivo nesse mundo social, enquanto estampo uma imagem falsa de mim em tudo que é lugar. Para aqueles de fora, somente mais um peixe em um enorme oceano de criaturas tentando ter o seu lugar e sua plateia que alimente seu ego.

Mas talvez eu não queria continuar vivendo. Não desse jeito.

Eu sento na minha cama, olhando para o celular. Mensagens preenchem a barra de notificações, e eu sem vontade de responder nenhuma. Uma súbita lembrança de dias anteriores vem a cabeça, e eu me recordo de vezes em que tudo que quis era sumir. Não do mundo, mas sim dessas redes sociais. Eu queria ser capaz de me afastar por uma semana, sem ter que me preocupar com quem está preocupado comigo. Fazer aquilo que tiver vontade, sem me sentir preso a uma tela de celular, tendo que dar respostas a qualquer um que interaja comigo. A internet não é algo ruim, mas me apavora o quanto as pessoas levam esse mundo virtual a sério. Nossa saúde mental sofre constantemente com publicações que desejaríamos não ver, ou mensagens que preferíamos não receber. A tecnologia nos consome lentamente, como um parasita, e com o tempo seus efeitos nos matam por dentro.

Mas eu estou cansado de morrer e não fazer nada a respeito. Não vou ser mais um membro de audiência, observando a minha vida e a de outros passar, enquanto deixo de aproveitar cada momento que vai e não volta. Cansado de ver pessoas achando que me conhecem por coisas que eu decido mostrar. Cansado de tudo.

Eu suspiro. Ninguém se importa. Ninguém curte, compartilha nem comenta. No fim, não faz diferença. É um incomodo temporário que será facilmente tirado da cabeça por um vídeo de gato no Youtube, ou por uma piada engraçada no Twitter.

Eu pego o meu celular, e por razão nenhuma volto a minha prisão. Um desabafo postado em alguma rede social para propagar a tempestade de sentimentos que sofri, e logo já me esqueço disso. Ninguém se importa consigo mesmo. Esquecem que se tivessem a oportunidade de viver sem uma audiência, deveriam fazer isso. Parar a performance e a falsa imagem de si, e viver livre dessas redes que nos forçam a ser “sociais”. A minha hipocrisia segue, enquanto critico a mesma internet que me deu uma voz. Na minha ultima foto, vejo elogios. E assim, sigo a vida recebendo minha dopamina em binário.

Bernardo Kleber
Enviado por Bernardo Kleber em 17/07/2019
Código do texto: T6698261
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.