Diário. Arrodeador
24/07/2019
O canteiro vertical está se quebrando todo, a parte dos barbantes.
Combinei com Jorge que amanhã ele arruma.
O sol bem quente e arrasador. Fica queimando a tudo e a todos.
Marchando para o Arrodeador vejo a tristeza nos olhos das árvores. Todas de orelhas baixas e cabisbaixas. É o açoite do vento seco que castiga sem piedade os lombos dos marmeleiros. Os paus brancos são mais resistentes, mas pegam a maior pancada. E assim, as folhas, outrora verdes, vão formando um tapete amarronzado no chão, fora aquelas que o vento leva.
A areia do caminho é alva chega encandeia a vista. O sol tine de quente e a fome torce as tripas.
Cada trecho da escola até o Arrodeador causa pena. Menos de um mês passava eu alegremente com o verdor escuro da ramagem e da relva.
Mais adiante o rio ainda mereja um charco d'água. Algumas piabas e caícos sobrevivem, e mal sabem que as garças e os socós os sorverão.
O serpentear do caminho me entonteia. Pode ser mesmo a fome associada ao ziguezague labiríntico.
Noutra paragem vejo uns quatro homens sentados sob um pau branco. Refúgio do calor maior, pois o vento quente açoita como labaredas. Me lembra quando fui boia fria na Bahia no ano de 86. A gente comia no meio do sol. Estão a estender palha de carnaubeiras no chão. Nesse tempo, no sertão, começa o período do carnaubal. Cultura própria do lugar.
No trajeto, paro na única cancela que separa duas terras e o gado muge ferozmente. Olho e não vejo rezes, mas o mugido continua.
O chão está cinzento em toda parte. O pasto secou.
Algumas rezes rimoem à sobra dos paus brancos ou dos nins. Algumas éguas disputam a sombra e todos acham alento nas sombras ralas de julho.
50 metros antes do açude o clima ameniza. O vento sopra fresco e alivia o ardor do meu rosto vermelho pela cor natural e pela provocação solar. Beira o inferno, o calor sertanejo. Então me sinto o rico nas profundezas pedindo a Abraão que mande água pra refrescar sua língua. Infelizmente para ele não teve remédio, mas para mim o vento esfria a cada metro encurtado.
O almoço é carne de gado que minha amiga Leirivan me preparou. Seu balneário é simples, mas muito acolhedor. Enquanto o almoço sai, me espicho todo numa rede de tiras e deixo o vento passar por todas as brechas. Uma sensação aliviante para quem saiu do inferno.
Entre eu e as águas, uma rez se delicia na única grama verde que encontra. Só escuto o strurrucado da boca na grama. O que é aquela grama pra ela, é seu lombo pra mim.
Aqui também tá melancólico. Ninguém para conversar. Só o chocalho da vaca badala sem parar, avisando que estão por perto. Já saíram da ruminação e largaram a sombra quente, afinal, não faz muita diferença entre estar ao sol ou à sombra, aqui, no sertão.
Uma garça pousa e esgureja os carrapatos das rezes.
Duas vespas sobrevoam uma árvore e os pássaros descansam um pouco. Só de vez em quando, uma rola canta e outra desce à margem pra beber.
Eu, meio melancólico e meio preguiçoso, pretendo mudar os panos e dar uns mergulhos solitários. A desvantagem do mergulho solitário é que refrigera, apenas o corpo. Se acompanhado a alma fica sarada, mas não tenho companhia.
De volta o caminho é o mesmo. Tem a mesma desgraça da vinda. Areia quente, sol escaldante, vento infernal e sufocação.
Se ao menos minha amiga estivesse pra gente prosear! Ou mesmo o meu amor! Além de prosa teria beijos e os mergulhos seriam mais demorados e no calor dos beijos as águas ferveriam e a tristeza, em vapor se desfaria. Mas, isso é apenas sonho. Apenas desejo. Apenas poesia.
CARLOS JAIME
Enviado por CARLOS JAIME em 24/07/2019
Reeditado em 24/07/2019
Código do texto: T6703363
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