Diário. Em duas seções

26 de julho de 2019

Prezado diário. Hoje, acordei cansado. Dormi depois da meia noite e acordei às 5 em ponto. Ainda muito cansado de ontem e a junta da mão esquerda muito dolorida. Acho que foi porque pendurei o corpo duas vezes, ontem, no galho duma mangueira na serra da Canoa. Dói cada vez que toco a tecla do teclado e em qualquer outra situação de toque. Devo escrever pouco porque está incomodando muito.

Após coar o café fiz a tapioca pra merenda, mas não comi. É que não gosto de tapioca quente. Ainda da goma da tia Albanir. Uma goma muito especial. A goma da irmã da tia Rosa ainda está aguardando chegar a vez dela. Vou poupar até acabar. Resultados das farinhadas de julho que participei.

Comprei dois baldes pra escola porque as plantas não foram agoadas esta semana. Semana passada o Diocenes águou todos os dias e na anterior a tia Auricélia também. Mas a gente não localizava balde e então não foram aguadas.

Ontem liberei o Jorge pra não ir hoje. Eu mesmo aguei as plantas. As do jardim vertical, as 9 horas, as samambaias, as moringas, os ipês de dentro e de fora. Não águei os mamoeiros, nem as cidreiras, nem as canas, nem os capins santos. Dá pra escaparem até segunda.

Saímos da escola, Samara e eu, por volta das 10 e meia.

Pouco andei na secretaria. Estava mesmo cuidando das plantas e regando.

Também não fui na quadra, mas indaguei se terminariam hoje. O responsável estava a andar com espingarda de chumbinho, de pressão. Procurando, disse um dos auxiliares, pomba. Procurando pomba.

Enxotei um monte de cabras e ovelhas que pastavam no interior da escola. Elas matam nossas plantas. Não sei porque eles deixam o portão da escola aberto se não estão transitando. Sempre reclamo e digo que não há necessidade disso, mas eles não observam e a escola fica no prejuízo. Graças a Deus a obra está encerrando. Já estou com vontade que terminem logo.

Hoje, diário, ia eu pra Itaquatiara. Sabe onde é não? Uma serra vizinha a serra da Canoa. Ia mesmo de moto.

Eu sei que ela andou se lastimando. Agora moto tem sentimento. Nunca tinha visto isso.

O sol estava bastante quente e encontrei seu Adalberto na pista com a bolsa na cabeça protegendo-se do sol. De que adianta, diário, uma bolsa sobre a cabeça numa temperatura infernal dessas? Fui logo deixar ele em casa.

Já estava mesmo esmorecendo da Itaquatiara e essa demora, em deixar ele em casa, me esmoreceu de vez. Melhor mesmo deixar para outro dia. Me sinto cansado e a mão dolorida e doendo. Um grande incômodo. Ontem, pensei em aplicar argila com óleo de hortelã sobra a junta, pois esta combinação desinflama qualquer dor de articulação. Mas a preguiça me venceu e amanheci pior.

Hoje não estou triste, nem melancólico. Estou mesmo é cansado. Pensando em descansar, mas meu neto está aqui e aí, diário, não deixa ninguém quieto. Meu pai, também, deve chegar em breve. Vem de Fortaleza e amanhã levar ele pra Miraíma. Então, meu cansaço vai ter de esperar pra não sei quando. Enquanto a gente não descansa, o corpo sofre e envelhece antes do tempo.

Itaquatiara vai esperar para outra ocasião, porém, é bem capaz de um dia desses eu ir dormir naquela serra só pra sentir o clima noturno. Diurno já é um maravilha de fria, imagina à noite. Os serranos mais baixo dizem que as nuvens tocam Itaquatiara e a nevoa nasce dela. Imagina aí, diário, no encanto e na magia que é ser tocado pelas nuvens. Queria estar lá bem na hora de um beijo de nuvem. Gosto muito de beijo, mas queria provar um beijo celestial.

Talvez eu vá antes de setembro porque Itaquatiara estará em festa próximos dias. Mas, talvez.

De volta, passei na casa do Diocenes. Prometi de trazê-lo para Amontada a fim de visitar um familiar dele que se mudou para Amontada. Os avós de João Gabriel. João Gabriel era aluno da escola que coordeno e tiveram de se mudar para Amontada por questões que só lhes dizem respeito. Não entremos nos méritos alheios. É indecoroso.

Diocenes perguntou se já havia merendado e, verdade mesmo, já disse que não comi a tapioca que fiz. Estava sem nada no estômago. A vista já turvava e começava a sonolência. Sintomas da fome.

Ao saber que não tinha merendado me ofereceu almoço. Aliás, um delicioso almoço.

Enquanto o almoço era colocado, brincava de embaixadinha com a bola do Rikelme. Outro aluno da escola. Fazia de conta, pois não sei nada de embaixada. Isso é assunto pro Eduardo Bolsonaro.

A casa do Diocenes muito simples. Daquele tipo de casa do sertão. Das que me criei. Dá uma saudade de lá, da minha infância. Sentei-me num tamborete de couro de animais e usei outro como mesa para o prato. O copo de suco de goiaba descansava no peitoril do alpendre e o vento seco açoitava com seu chicote de labaredas.

O milharal todo seco. Vai ser colhido para ração dos ruminates do lugar. A cachorra amarrada a uma corda e ladrava mais apelando para ser solta do que para afugentar estranhos.

Rikelme lia um livro e ajeitava um caderno e o lápis estava na mão. Perguntei se estava revendo algum dever, nada respondeu. Mais tarde perguntei se estava pronto pro retorno das aulas também nada respondeu.

Falei com a pequena e perguntei se ia estudar a partir de agosto. Jainara, tem uns 2 anos e meio e sempre chora quando dizem que ela vai estudar. Mas ela, quando me ver no portão da estrada grita pra sua mãe: O professor, mamãe. Porém não respondeu sobre se vai ou não estudar.

O único mufumbo da casa está verde, mas com a folha grosa. Parece um verde forçado, nada original. É a deformidade solar que a atrofia. O pereira também está verde e os nins que passam o verão verde. O marmeleiral tostados e o sol queima sem pena nosso sertão. Saudade do clima da Canoa. Outro nível.

Chegamos em Amontada e o deixei na casa de seus parentes. Foi uma satisfação rever aqueles ex pais de alunos da escola que moravam na Barra da Taboca, pois fui várias vezes em sua casa. Gosto de visitar as famílias em seus domicílios.

Agora em casa, vou tentar descansar o corpo velho e aliviar a munheca com argila e hortelã. 13:46h

(...)

4 horas depois.

17:46h

É, diário, pensei que não mais falaria contigo hoje.

Não descansei. Meu neto de 2 anos e meio me fez de cavalo e cavalgou em minhas costas até cansar. E eu, já cansado fiquei só o bagaço.

Repentinamente recebo uma chamada de whatsapp de uma irmã. A gente conversa todos os dias e pensei que era mais uma conversa normal. Não era. Era sobre o assassinato de uma sobrinha, filha da minha irmã caçula. A mais velha. Foi alvejada na nuca e morreu no local. Era ao lado de um posto de saúde. Médicos e enfermeiros tentaram socorrê-la, mas faleceu mesmo na rua.

O marido foi detido imediatamente. Já havia sido preso por causa dela e depois da prisão reataram o casamento, mas no momento estavam separados. Não sei, diário, se ele tem alguma coisa a ver com isso, mas ligaram pra ele na hora do ocorrido avisando o caso. Muito suspeito, sabe, mas não sei, realmente.

Estou sem norte, sem chão, sem alegria. Dói muito perder um familiar e dessa forma a dor é ainda maior.

Talvez viajarei hoje, talvez amanhã, não sei. Estou pensando em viajar, mas sem ânimo para hoje.

Amanhã, diário, será uma história triste que te contarei. Muito triste, mas te falarei as minhas e as nossas dores.

CARLOS JAIME
Enviado por CARLOS JAIME em 26/07/2019
Código do texto: T6705318
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