UMA KOMBI ENFERRUJADA NOS LEVOU PARA A LUA

- Eu gosto muito de viajar – Disse ele.

- Que bacana! Eu também. Para onde o Sr. viajou que mais gostou? – Perguntei rendendo papo, para mim sempre foi difícil entrar em um carro de um desconhecido e ficar em silêncio.

- Eu gosto muito de viajar – repetiu o moço – mas não tenho dinheiro suficiente para isso.

Olhei-o ressabiada e até envergonhada pelo tom de empolgação da minha pergunta e o deixei continuar:

- Por isso, muito tempo atrás, avistei uma kombi velha, sem motor, toda enferrujada. E tive uma ideia que mudaria a minha vida e a dos meus filhos, agora já crescidos.

Queria saber exatamente como isso aconteceu e o deixei continuar com o seu relato.

- Negociei o veículo por um preço baixo, e ainda consegui parcelamento. Dei um jeito de leva-lo para o quintal da minha casa e dei um capricho nele. Varri, limpei, pintei com restantes de tintas coloridas que encontrei. Meus filhos, ainda crianças, queriam saber o que era aquilo, mas eu não respondia, queria fazer uma surpresa.

- Nossa, que ideia genial! – Expressei-me como se já soubesse o final da história. Ele continuou:

- Era véspera de Natal e eu queria que ela estivesse pronta. Usei alguns finais de semana para finalizá-la sem ainda dizer que fim teria. Certa hora a minha “dona” saiu com as crianças e, enquanto foram ao supermercado comprar o peru para a ceia, enfeitei a kombi com pisca-piscas de natal, coloquei uma roupa “domingueira” e as esperei com cara de suspense.

Nisso eu já queria que o percurso demorasse mais um pouco, queria ouvir o desenlace daquilo tudo.

- Quando chegaram eu pedi para que fechassem os olhos com as mãozinhas pois eu tinha algo para mostrar. As conduzi até o quintal, e, de frente para a kombi, pedi que descobrissem os olhos. Foi uma alegria só! Desde então eles não saiam daquele veículo. Fizemos tantas e tantas viagens para lugares que a senhora nem imagina! Até para a lua nós fomos com aquela danada!

Emocionada, mantive o silêncio e continuei a ouvi-lo.

- A vida é difícil, dona. Nunca ganhei muito dinheiro. Mas acho que acertei no brinquedo. Eles passavam tardes inteiras dentro da kombi, virou a segunda casa deles. Depois que cresceram e foram embora, o veículo continua lá no quintal. Não está colorido e limpo como antes, mas confesso que, ao final daqueles dias mais difíceis, sento no banco do motorista e observo a lua. E é para lá que eu vou, sempre que posso, com a gostosa lembrança dos meus filhos pequenos. A senhora conhece riqueza maior que essa?

Concluído o meu percurso, garanti as suas cinco estrelas, e não contive as lágrimas que caíram pela emoção. Afirmei com a cabeça, apertei a mão do moço, e saí do carro, na torcida por encontrá-lo outro dia, para uma outra linda história.

[Nivea Almeida - 29.07.2019]