E O Tempo Foi Com Ele

Ele morreu ontem. Não gostei, claro. Fiquei triste. Ainda me sinto meio perdido no tempo. Afinal, foi um ano e meio de relacionamento. Alguém pode até achar que é pouco tempo, mas posso asseverar que é como se fosse uma vida inteira de uma experiência em comum.

Foi companheiro. Sempre ao meu lado, não me deixava nunca e eu, de minha parte, fazia questão de ter a sua companhia. Sempre que precisei de informações da sua especialidade ele as me deu. Nunca falhou, nunca. Às vezes, quando eu estava ansioso, ele cá estava a me ajudar com seus dados e informes, a todo momento. Quanto mais ansioso, mais ele se fazia presente.

E sempre me mostrava que minha angústia era inútil. Não mudava nada essa minha compulsiva interação com ele. Nesse sentido procurava me acalmar, me expunha que não adiantava nada apressar o rio, que ele corria sozinho. Sábio camarada. Se eu precisasse, ele sempre vinha em meu auxílio a lembrar dos meus pequenos compromissos pessoais cotidianos, fosse tomar um remédio, assistir a um entretenimento na televisão, e até acordar de um sono descompromissado se fosse o caso.

O que me impacientava nele, de vez em quando, era a sua precisão. Às vezes estava eu absorto em meus devaneios, pensamentos em outros lugares, achava que estava em algum outro lugar no tempo e ele vinha me corrigir. Quem mandou eu perguntar? E ele estava sempre certo. Era irritante.

De tempos em tempos eu observava que ele andava se atrasando. Ahá! Era a minha vez. Mas nada que um corretivo não resolvesse. E estava ele novamente completamente dono de si, um autêntico representante do seu tempo. Sentia mesmo um pouco de orgulho da nossa amizade.

Agora ele está inerte, não tenho mais interlocução consigo. Parece que me falta algo, será que me entendem? Pergunto-me se vou conseguir me adaptar à nova situação. A gente acaba se adaptando, não é mesmo? Mas jamais vou esquecê-lo por tudo o que representou na minha vida, nessa trajetória provisória que trilhamos juntos de modo inseparável. Adeus, amigo. Dizem que se eu trocar a bateria ele volta para mim. Mas não sei, prefiro ficar com as saudades do seu mostrador digital.

Graco Jakal
Enviado por Graco Jakal em 03/08/2019
Código do texto: T6711670
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.