HERMÍRIO

HERMÍRIO - Vou almoçar no "Tico's". A comida é ótima. No Natal passado comi uma rabada maravilhosa. Fiquei empanturrado. Mas antes vou comprar tíquetes transportes. Apesar dos bondes cheios, é o mais democrático meio de transporte. Hermírio divagava muito em suas caminhadas. As lembranças de um passado distante ocupavam todo o seu tempo. Todos os dias o aposentado passeava por toda a cidade em que nasceu há exatos 78 anos. - Pronto, aqui vou esperar o Nicanor. Ele me disse que sempre acorda atrasado. O escritório não pode esperá-lo. Mas vou aguardar a sua chegada. O gerente já está de olho nos seus atrasos. As imagens de suas ações do passado no escritório de contabilidade "borbulhavam" na mente do aposentado. Muitas vezes Hermírio vestia a sua camisa azul com o logotipo da empresa Cravos & Cia. Certa vez o aposentado discutiu com um vigilante. O antigo prédio da empresa já estava fechado desde a morte do proprietário Antonio Cravos. Hermírio queria o seu birô, o seu arquivo cheios de papéis e sua maravilhosa máquina de escrever. O aposentado ainda se achava útil naquela empresa. Mas o guarda "insistia" em barrar a sua entrada e ainda dizia que tinha falido. -Desisto. Vou ter que faltar ao trabalho. Esse guarda não me conhece. Se o Antonio não estivesse viajando, ele puniria esse funcionário. A família do aposentado não dava ouvidos as lamúrias dele. Os delírios não incomodavam ninguém. Mas ficavam tristes com essas crises de senilidade. Às vezes Hermírio esquecia que era viúvo e chamava pela esposa na madrugada. - Vou até a banca do "Onça" comprar o Jornal da Cidade. Tenho certeza que não vou encontrar notícias de Vargas. Mas não havia a tal banca que fechou em 2015 por causa da morte do tal "Onça". O aposentado ficou decepcionado por não encontrar a tal banca. Em seu lugar tinha um ponto de táxi. Hermírio sentia-se estranho naquela cidade em que nascera há mais de sete décadas. As ruas mudaram de nome. A avenida general Loss agora era chamada por Alameda Dez. Que desrespeito!. O café Kassol agora é uma farmácia. O cine Bangu transformou-se em uma igreja pentecostal. -Cadê o Osvaldo. O lanterninha do cine Película. Onde está Maria Aparecida, a vendedora de "puxa-puxa" da esquina do cinematógrafo. Tudo diferente. Hermírio estava angustiado. No mês passado o aposentado foi ao supermercado "Compre Bem". Ali era tudo barato. Mas ficou frustrado. Não existia mais. -Que mundo é esse?. Não sou daqui mais. Sou um estranho em minha terra. Aonde estão os meus amigos?. Porque eles viajaram?. Outro dia encontrei a casa da dona Palmira fechada. Perguntei a alguém na rua pela costureira, mas me disseram que ela tinha viajado. Não se sabe para onde. E os seus filhos menores. Quem ficou com eles?. Mas o ingênuo aposentado não lembrava que os tais meninos já contavam com mais de 40 anos. - Vou para casa. Hoje não tem expediente. Domingo é dia dos pais. Mas não tenho mais pai, e os meus filhos são menores. Quem me dará presente. Ah lembrei!. A minha jovem Marina vai comprar um relógio de bolso para mim. E assim o idoso dirigiu-se para o bairro "Dez". Mas é pena. Lá tem apenas escombros do que foram as gloriosas casas com enormes árvores frondosas dos anos sessenta. Tudo diferente mesmo.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 09/08/2019
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