POBRE DIABO

“Pobre Diabo”

O domingo é um daqueles dias que não temos horas para acordar e muito menos levantar da cama. Mas neste último domingo de agosto, levantei com uma missão. Era a data da iniciação da catequese para os novos cristãos fazerem a primeira comunhão. Entre estes, está o meu filho, Marcus Vinícius, que de tanta ansiedade, levantou-se primeiro do que eu. A reunião aconteceria no Salão Paroquial, ao lado da Igreja Matriz. Prontamente, logo após o café matinal, colocamos nossas melhores roupas, penteamos nossos cabelos, e nos perfumamos com boas essências florais. Em seguida, nos dirigimos ao local indicado. Era uma ocasião muito especial. Marcava no relógio, pouco mais das sete horas da manhã. No caminho, encontrávamos várias pessoas bem arrumadas para assistirem a Santa Missa que aconteceria quase no mesmo horário.

Ao chegarmos ao Salão Paroquial, nos deparamos com uma situação inusitável. Descí do carro e fiquei a observar uma cena que me deixou perplexo. Estampada com fortes cores vermelhas, amarradas entre duas árvores, uma grande rede de pano estendida, e no interior da mesma, avistei um “pobre diabo” que dormia no mais profundo sono. Era algo que me paralisou naquele momento. E fiquei a contemplar aquela figura no mundo dos sonhos. Nenhuma preocupação; nenhuma dívida; nenhum pesadelo. Dormia no aconchego das sombras das árvores e da brisa que corria friamente naquela manhã. Abaixo de sua rede avistei um saco de plástico com algumas roupas para não chamar de mulambos. Era a maior riqueza daquele filho de Deus! Ao lado, um pequeno caneco e uma garrafa pet com metade d’água. Todo o conforto para uma vida de ” luxo”.

Tentei seguir à frente, mas fui compelido a presençear o amor de Deus sendo colocado em prática. As pessoas que seguiam pela calçada, rumo a porta da igreja, deveriam curvar-se para passar por debaixo dos punhos da rede, mas logo eram compelidas pela visão e desciam-na. Algumas senhoras colocavam as mãos em suas narinas, num sinal desaprovador e resmungavam pelo fedor natural daquele mendigo. Havia um certo desconforto que, subitamente, logo seria resolvido. O padre sabendo do infortúnio dos fiéis católicos que se subjugavam a descer a calçada e respirar o mal cheiro da urina daquele miserável, acionou o sacristão, que preocupado com a boa imagem da Santa Igreja Católica, rapidamente, tratou de agir. Dirigiu-se ao infortúnio moribundo, que ainda estava no mundo dos sonhos, e o acordou. Agitou a rede pelos punhos pedindo o que se retirasse dali. O pobre homem, aturdido pela forma abrupta de invasão ao seu lar, abre os olhos e de supetão, pula para fora da rede tratando de retirar sua mobília. Não reclama; não xinga, apenas obedece. Afasta-se para o outro lado da rua e senta-se sobre um dos canteiros da praça a observar de longe o cerimonial. Algumas pessoas ao passarem, depositam pequenas moedas sobre uma lata colocada estrategicamente aos seus pés. Evitam tocar nos pertences do mendigo para evitar um provável contágio de alguma doença infecto contagiosa. Em minutos terá dinheiro suficiente para o seu café matinal. E ali mesmo, sentado em um banco largo, delicia-se a saborear as migalhas de uma sociedade hipócrita. Divide um pedaço do pão com o cão, vira lata, que lambe seus pés. Seu melhor amigo! Perambulará todo o dia pelas ruas, mendigando um pouco de paz, compaixão, solidariedade, respeito e amor. São os Mandamentos Mosaicos aclamados na grande Casa de Deus.

A noite, as grandes portas do templo se fecharão, e o homem voltará a armar sua rede, sua mobília, seus utensílios, e será resguardado, na calçada da Igreja, por mais uma noite de bênçãos e felicidades. Até que o dia seguinte, quando os raios do sol surgirem no horizonte,e centenas de pecadores retornarem a Casa do Senhor à procura de salvação; Deus estará,novamente, aguardando-os; na porta da Igreja com seu CAJADO CELESTIAL.

Amém!

João Passos