O Fascínio da Rua

O Fascínio da Rua

A rua sempre foi o grande fascínio para Murilo.

Ainda criança, virava e mexia, lá estava ele pela rua a fazer alguma coisa, como se ali estivesse o seu futuro.

Quase todos os dias fugia de casa e lá, na rua, ia jogar futebol, soltar pipa, jogar bola de gude, rodar pião ou simplesmente bater papo com os amigos da mesma idade, alguns fugitivos como ele e outros que lá estavam com a aquiescência dos pais.

Foi na rua que aprendeu e conheceu muito do que sabe hoje, pois não deu continuidade aos estudos, preferindo a ilusão da liberdade momentânea à segurança da vida regrada. Entretanto, tal escolha sem saber foi o combustível para o sofrimento futuro.

O tempo não para e não perdoa. Logo Murilo sentiu na pele a grande besteira que cometera na infância e juventude. Sem grandes estudos, não conseguia uma boa colocação nas empresas, restando apenas as funções inferiores destinadas a quem não tem muita cultura.

Via de longe os amigos vitoriosos curtindo a vida numa boa e ele, com aquele salário curto e sem uma estrutura familiar sólida, sofria com tal situação.

A cidade grande, com seus atrativos e facilidades, foi para ele a pior das selvas e nela se perdeu. Passou a sair do trabalho e não voltar para casa. No início uma ou duas vezes na semana era certo. Depois quase todos os dias. Com isso passou a andar mau arrumado, pois tal decisão custou-lhe o pouco apoio da família e o trabalho. Ferido na alma, acabou entregando-se àquela que sempre foi sua fiel companheira, a rua.

Nos primeiros dias caminhava solitário pelas ruas do centro, de preferência as mais afastadas para não correr o risco de se encontrar com algum conhecido. Ainda corria em suas veias um pouco de orgulho, mas com o passar do tempo tudo se apagara.

Agora, no limiar da demência, nada mais tinha importância; já não sofria. Dormia debaixo de qualquer marquise e durante o dia procurava algo para se alimentar nas lixeiras do caminho. Arrastando seus pertences, imundamente maltrapilho e fedido, vagava sem noção entre a multidão, que ao perceber seu estado desviava e se afastava rapidamente do pobre fracassado.

Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 27/08/2019
Código do texto: T6730489
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