Quem conta aumenta um conto

Numa manhã ensolarada, com um céu com poucas nuvens dona Carminha retira seu velho banco de madeira e põe na calçada da rua Amélia. Os ramos de uma mangueira propiciam sombra para sua atividade diária. Que atividade seria essa? "Observar o movimento!" dizia ela. Dona Carminha era uma senhora de pele branca, castigada pelo sol, encorpada e com cabelos cacheados grisalhos. Tinha um nariz pequeno, um tanto torto para esquerda, olhos escuros e perolados.

Certa vez, dona Lúcia, que morava a duas casas de distância de dona Carminha, saiu de casa, pouco tempo depois um rapaz batia palmas na sua porta.

- Lúcia saiu a pouco tempo! - informou ela prontamente.

- Nossa, foi mesmo?! Poxa...

- Foi, saiu num Ônix preto aí...tava toda arrumada.

O rapaz fez uma expressão indecifrável para dona Carminha, e se foi. E assim passavam-se os dias naquela pacata rua (mas nem tanto...) com dona Carminha prestando seus serviços à comunidade.

Num dado fim de tarde, dois rapazes que deveriam ter entre 15 e 16 anos, andavam tranquilamente conversando na rua Amélia. Um era baixinho, gordo, de pele morena, com cabelos lisos e negros. O outro era mais alto e magro, negro e usava um boné colorido. Ambos usavam shorts a la surfista e camisetas regatas que cobriam bem além da cintura. De supetão, uma moto barulhenta com dois homens surge na esquina da rua, ao se aproximarem dos adolescentes os abordam.

Depois de certo tempo de conversa um dos homens começou a bater no menino magro, até que o seu comparsa o chamou de volta para moto e foram embora em barulhenta disparada.

Segundo dona Carminha, o jovem devia dinheiro do tráfico de drogas para os homens, o que deixou José Neves profundamente irritado. José era um rapaz de 23 anos, branco, cabelos volumosos e crespos, que também morava na rua Amélia e estava bastante enfurecido com dona Carminha. Isso porque o adolescente que fora abordado era seu primo e sua versão da história era bem diferente:

- Não houve tempo pra conversas! Os caras foram muito rápidos, já chegaram com a mão debaixo da camisa, anunciando o assalto. Guilherme, meu primo, falou logo que não ia dar nada, o que não devia ter feito né?! O cara ficou furioso e começou a bater nele. O comparsa, que parecia ter mais consciência, ficou falando: "deixe disso irmão é só um moleque, vamo embora!" O que funcionou, ainda bem!

Quem estava falando a verdade nessa história? Isso não parecia importar, pois a história que fosse a mais interessante seria a mais reproduzida, e dona Carminha contava histórias como ninguém! A melhor! Em seu favor, ela também possuía uma complexa rede de "amigas de calçada" de outras ruas do bairro, em pouco tempo todos sabiam da história. As semanas que se passaram depois desse incidente foram muito divertidas para dona Carminha, ela amava ver a expressão das pessoas ao contar as histórias, só para que pudesse dizer sua frase favorita " mas tu não sabe da maior..." e finalmente por "a cereja no bolo" da fofoca.

Quando todos já sabiam e não mais se interessavam por esse episódio, voltaram então as semanas enfadonhas, mas todos os dias ela estava lá, com seu icônico banquinho, aguardando por um novo causo/conto para contar.