UM DIÁLOGO MUSICAL

-Meu cd-player está viciado em certa música...

-Como pode? Isso não existe!

-Cê que pensa, experimente colocar para tocar um cd de que o aparelho não goste...

-Grande coisa, experimente você... levar o aparelho para a assistência técnica... (rindo)

-Olhe, estou lhe falando... é sério.

-Mas você disse que o aparelho era viciado e não temperamental...

-E qual a diferença?

-A diferença é simples: viciado só quer a razão de seu vício e o temperamental depende do momento, da circunstância...

-Essa agora... então ele é as duas coisas...

-Não pode. Ou é viciado, ou é temperamental. De mais a mais, se for as duas coisas aí é que o bixo pega...

-Porquê?

-Pois se for temperamental viciado, aí não tem cura, mas se for viciado temperamental existem paliativos...

-Mas que porra de conversa de doido isso virou...

-Não tema, basta escolher uma das possibilidades...

-Tá... viciado ele é mesmo, pois se toco o que ele está acostumado, vai até o fim, inclusive aceita a tecla “repeat”... fica horas tocando a mesma música

-Maldito cigarro!

-O quê? Que que tem o cigarro?

-É o segundo que queima no cinzeiro sem eu ver ou dar uma tragada.

-Acende outro... cada uma!

-A questão não é essa... e sim o fato de que estou queimando dinheiro sem ter o prazer...

-Mas então... temperamental ele não é não, acho que não... a questão é de vício... mesmo, vício simples.

-Beira a incongruência, isso sim... não dá para ser só viciado, tem que poder classificar em alguma sub-categoria...

-Lá vem você com essa atitude professoral: Tem que classificar! Só me faltava essa, tem coisas que não teem classificação. E pronto... elas simplesmente existem.

-Tá... admitindo, por hipótese, pelo amor ao debate, que algumas coisas simplesmente existam, sem classificação, vamos tomar por base o seu cd-player...

-Sim...

-Então... o certo é ele tocar qualquer cd, não é!?

-É!

-Pois então... ele não deve poder escolher o que toca e o que não toca... é do princípio da existência do aparelho, razão maior de sua existência, de ter sido inventado...

-Ora, cê tá me dizendo que se foi inventado para algo, assim deve permanecer para sempre?

-Questão de expectativa, óbvio!

-Que besteira. Se assim fosse, a vida não teria graça nenhuma!

-Ora, então não reclame de seu aparelho. Olha aí! Terceiro cigarro... saco!

-Nunca reclamei, apenas constatei... mas com certeza pautarei minhas ações a partir desta constatação...

-Pois é... e todas as suas namoradas vão ter a mesma “nossa música” para lembrar de você (rindo muito)

-Que coisa! Nisso nunca tinha pensado. A princípio pode parecer ruim, mas a longo prazo saberei qual é a música e jamais confundirei música e mulher (rindo também)

-Só tem um detalhe: a trilha sonora da sua vida será monótona...

-De modo algum, as mulheres foram diferentes...

-Eu estou falando da música...

-Eu também... afinal as mulheres são música para a minha alma.

-Então não critique seu aparelho se ele cisma com uma música e fica tocando só ela, sem chance para as outras...

-Mas é assim que tem de ser, pois mulher é uma sinfonia... tem muito detalhe. Até se apreender tudo... às vezes uma vida não basta. Volta-se em outras e fica-se a procurar... até pensar que encontrou...

-Para depois de dez anos descobrir que não era... tenha paciência e vá nas Casas Bahia e compre outro...

-Eu não... sabe que estou até gostando...

-Você não tem mesmo nenhum pingo de juízo...

-Pelo contrário, a mais nova sinfonia que estou escutando é complexa e maravilhosamente bem acabada, com muitos detalhes, muito esmero... vou seguramente ouvir por muitos e muitos anos...

-cada maluco com a sua mania...

-Se é mania, eu não sei dizer, mas que é bom é. Ainda não me inteirei de todos os movimentos, das fugas e das toccatas... quero apreender todos os detalhes...

-Pout Pourri, nem pensar...

-Nem pensar!