O LAGO DA DISCÓRDIA

O LAGO DA DISCÓRDIA

Em bairros ditos planejados só não se planeja a Ecologia, a sustentação do meio-ambiente, a manutenção de ao menos algumas árvores e arbustos entre o casario uniforme, verdadeiros cubículos, pequenos até para 1 só pessoa mas que abrigarão famílias inteiras. Foi assim no bairro Cidade Nova dos anos 70/80, continua sendo assim já cruzado novo século no país inteiro.

-- "Não ficou "um pé de pau" !, diria o caboclo revoltado... e não ficou mesmo ! Nivela-se o terreno com trator para facilitar arruamento e canalização e a Natureza que se dane. O condomínio de casas "Mar Azul" -- o mar mais próximo distava uns 100 km -- tinha até uma lagoa, lago artificial feito por água das chuvas diárias e dos "rejeitos" de fábricas e residências, a água usada nas cozinhas e lavanderia. Se tinha peixes ninguém os viu e nadar nele estava fora de questão. O condomínio mantinha à beira dele velha canoa -- ou o que restou dela -- e ousar usá-la era "entrar em canoa furada". Mesmo assim o varão da família recém-chegada, afeito a exercícios matinais na cidade grande, teimou em remar nela, para espanto de meio condomínio.

-- "Esses "barão" vêm pra cá e já vão tomando conta de tudo" !, disse um, irritado por não ter tido a idéia.

-- "Essa "paulistada" não se manca... (completou outro) isso é um incentivo pros nossos filhos se meterem nessa "imundície", podem até se afogar" !

-- "Esses "sulista" são muito abusados, querem mandar em tudo... precisamos acabar com essa "folga" !

Reunião secreta de síndico e outros diretores produziu Admoestação proibindo o recém-chegado de dar suas remadas no sagrado lago. Êle, que dava 1 boi pra não entrar em querelas, recusava boiadas para desistir delas. Consultado o Regulamento, nada existia sobre (não) REMAR no lago, ainda que a tal canoa fosse mero "enfeite" arquitetônico.

Decidiu comprar sua canoa e os serviços de um causídico, que consultou a Diretoria... foi pressionado pelos moradores, paraensíssimos, boa parte bitolados para pensar que todo "sulista" -- tenha êle nascido em Goiás, Bahia, Rio ou Minas -- vem para o Pará DESTRUIR (?!) o Estado e mudar hábitos e tradições tão queridas. Como todo advogado, esse resolveu "cozinhar o galo", ficar "em cima de todos os muros" e ainda ganhar uma bela grana do cliente inexperiente de como as coisas "funcionam" na região. Este, por sua vez, continuou a remar -- agora de madrugada -- já que nada nas Regras o impedia, enquanto aguardava a demorada solução do caso.

Alguns noctívagos o flagravam divertindo-se nas águas escuras e murmuravam contra o abuso. Outros, mais condescendentes, começaram a gostar da idéia, afinal canoas estavam no DNA de todos êles, amazônicos ou amazônidas, que são coisas diferentes. Instalou-se o caos na vida do Condomínio e o advogado "na moita", nem "dava as caras" no local. Até agora ninguém deu um passo para encerrar a questão, ceder para um sujeito "de fora" (?!) não estava nos planos de ninguém.

-- "Se pelo menos fosse REMISTA... a gente dava um jeito" !

"NATO" AZEVEDO (em 6/nov. 2019, 6hs)

**************

OBS: dedicado ao Mestre (de Capoeira) FERNANDO RABELO, amigo antigo que me é sempre um prazer encontrar !