Mãos

Tinha olhos de fogo, vermelhos e raivosos. Cheirava muito mal, cheiro podre, amargo. As suas mãos pareciam grandes, talvez porque ela fosse pequena, mas não eram grandes. Eram mãos de um homem comum, estatura mediana. Mas ela era apenas uma criança. E aquelas mãos sabiam como machucar e se tornavam imensas no seu corpo franzino de menina; as mesmas mãos que quando perceberam que a menina tornou-se a mulher, abusaram do seu sexo casto e continuaram lhe machucando a alma. Hoje ela vê nos olhos que eram de fogo, olhos cerrados pelo tempo e pelas suas mãos que por anos cuidaram daquele corpo doente. Lembranças que lhe vieram à mente e que ela tentou enterrar em anos de análise, mas que nem a morte levaria. Lembranças que lhe vieram à mente enquanto arrumava o terço em que a cruz parecia gigante sobre aquelas mãos agora franzinas e tão pequenas entrelaçadas no leito.