Festa de Aniversário
 
 
        Contou-me um amigo interessante estória que repasso para vocês, ainda penalizado.
        Certa vez, no bairro da Liberdade em Salvador, onde viveu na infância o meu amigo José Carlos, também viveu o Bruno, colega bem chegado.
        Jovens de classe média, juntamente com tantos outros do bairro conviveram jogando futebol e praticando todo tipo de brincadeiras permissíveis a adolescentes.
        O Bruno tinha em particular a personalidade de brincalhão e a todo momento estava pregando peça aos amigos.
        Certo dia, preparou um terrível ardil para o Firmino.
        Sabendo da possibilidade de Firmino lhe pedir um cigarro, pois Firmino era daqueles que só fumava “se me dão”, antecipadamente preparou um para entregar-lhe quando solicitado. Tirou o fumo da parte superior e alcançando o meio do cigarro o preencheu com pólvora retirada de cabeças de pau de fósforo e em seguida retornou com o fumo do cigarro. É claro que o cigarro ficou meio torto, machucado, porém, “cavalo dado não se olha os dentes” houvera aprendido este provérbio com o seu avô. Se o Firmino quisesse só teria aquele cigarro.
        Quando estavam todos reunidos em frente ao portão principal da escola, ponto de paquera, o colega Firmino, como de hábito, pediu para o Bruno um “cigarette”, fazendo o gesto com os dois dedos nos lábios, como era o seu costume de falar para pedir um cigarro.
        Aí Bruno prontamente lhe entregou o cigarro preparado, ao que Firmino reclamou – Todo machucado cara!
        Muito sério, e olhando nos olhos de Firmino Bruno replicou:
        - Cavalo dado não se olha os dentes. Quer ou não quer?
        Firmino logo tratou de colocar o cigarro nos lábios, meio sem graça, mas precisava fazer pose para as meninas que estavam logo perto, embaixo da amendoeira.
        - A aurora não parava de lhe olhar, pensou Firmino.
        Neste instante, Olegário, outro colega da turma, cavalheirescamente puxou o isqueiro e acendeu o cigarro nos lábios de Firmino. Somente Bruno sabia e estava atento para o desenlace da brincadeira.
        Na terceira puxada Firmino encheu o peito, daria uma tragada bem gostosa e soltaria a fumaça em rodinhas no ar, aprendera tal arte com seu pai, mas de imediato o cigarro explodiu pegando fogo e tosquiando seus dedos.
        Neste ato Bruno já havia corrido para distante as gargalhadas enquanto Firmino irritado jurava ir à forra.
        Outra vez, na festa da Lapinha, bairro próximo ao bairro da Liberdade, onde existe a igreja dos Santos Reis e comemora-se no largo da igreja e ruas adjacentes a data de 06 de janeiro, com pessoas passeando nas ruas, barracas vendendo cerveja e comidas baianas, também se instalava brinquedos para a criançada, a exemplo de cavalinhos, roda gigante, etc.   
        Para animar ainda mais a festa havia um serviço de alto falantes a tocar músicas todo o tempo, normalmente músicas apaixonadas que um casal em relação amorosa oferecia ao seu namorado ou pretendente.
        Passeando pela rua principal da festa Bruno vislumbrou Olegário também por lá passeando, estava bastante orgulhoso de braços com a Aninha. Imediatamente foi ao serviço de alto falantes e pagou para colocar uma nota musical.
        Daí a instantes soou em toda praça a todo o volume a nota que assim dizia: “Alô, alô Olegário, ouça esta gravação que Semíramis lhe oferece com todo amor e carinho”. Imediatamente começou a tocar uma breguissima música de Orlando Dias.
        Foi um mal-estar completo entre o casal, até porque Aninha não sabia que a tal Semíramis era o nome de guerra de um gay. Entre a turma que estava presente na festa de largo foi a maior galhofada.
        Assim era o relacionamento de Bruno com seus amigos, porém fora essas leves brincadeiras era um cara amigo, todos os respeitavam bastante, era bom de copo, e com sua famosa navalha já havia feito uma plástica em um indivíduo que se houvera ousado com sua irmã.
        Um dia Bruno sentiu a necessidade de compartilhar a sua grande alegria de viver com seus colegas. Morava em daqueles casarões da Ladeira da Soledade, encheria a casa de amigos, este ano não convidaria aquela parentalha velha, seria uma festa de jovens.
        Havia conseguido um emprego no BANEB, estava com a grana e podia comprar as coisas com fartura para os amigos e colegas.
        Assim se fez, com a paciente ajuda de sua mãe e suas irmãs fez as encomendas de salgadinhos e doces. Para o almoço sairia uma suculenta feijoada feita por dona Janira a melhor feijoada de Salvador.
        Lelinha, sua irmã, teve a ideia de decorar a casa. Compraram papel e confeccionaram bandeirolas azul, vermelha e branca, cores do Esporte Clube Bahia, para enfeitar o quintal, onde deveria rolar um animado samba.
        Os convites foram distribuídos. Sim, seria uma festa de aniversário organizada, foram distribuídos cem convites. A recepção seria na Ladeira da Soledade nº 51 com às doze horas.
        O sábado amanheceu lindo, apesar de se estar no inverno, abril, aguas mil, tinha-se o costume de dizer em Salvador, por tanta chuva que caia neste mês.
        Bruno colocou uma linda bermuda branca, uma camisa azul e um tênis. Estava pronto para receber a patota.
        Deu doze e trinta, ninguém havia chegado.
Comentou – Este pessoal é mesmo sem pressa. Só vão chegar lá para as duas horas.
Deus uma hora da tarde, nada. Deu duas horas, nada também.
Bruno começou a ficar aflito. – Que está havendo? Falou para si próprio. Não é possível que ninguém venha.
As três horas da tarde não havendo viva alma resolveu ligar para Firmino.
- E aí bicho! Que é que está havendo.
A voz rouca de Firmino respondeu do outro lado.
- Está havendo porquê? Você pensa que a gente é otário é?
- Otário porque velho? Qual é o problema? Replicou Bruno.
- Ô babaca, vai enganar outro, você está querendo dar 1º de abril na gente é? Inquiriu Firmino.
Aí foi que Bruno caiu na real. – De fato era primeiro de abril, dia nacional da mentira. Todos deveriam haver pensado a mesma coisa. Não ligaria mais para ninguém.
Sentou-se em uma das cadeiras arrumadas em forma de círculo para as visitas e seus olhos marejaram. Porque naquela época homem não chorava.
Festa de Aniversário
 
 
        Contou-me um amigo interessante estória que repasso para vocês, ainda penalizado.
        Certa vez, no bairro da Liberdade em Salvador, onde viveu na infância o meu amigo José Carlos, também viveu o Bruno, colega bem chegado.
        Jovens de classe média, juntamente com tantos outros do bairro conviveram jogando futebol e praticando todo tipo de brincadeiras permissíveis a adolescentes.
        O Bruno tinha em particular a personalidade de brincalhão e a todo momento estava pregando peça aos amigos.
        Certo dia, preparou um terrível ardil para o Firmino.
        Sabendo da possibilidade de Firmino lhe pedir um cigarro, pois Firmino era daqueles que só fumava “se me dão”, antecipadamente preparou um para entregar-lhe quando solicitado. Tirou o fumo da parte superior e alcançando o meio do cigarro o preencheu com pólvora retirada de cabeças de pau de fósforo e em seguida retornou com o fumo do cigarro. É claro que o cigarro ficou meio torto, machucado, porém, “cavalo dado não se olha os dentes” houvera aprendido este provérbio com o seu avô. Se o Firmino quisesse só teria aquele cigarro.
        Quando estavam todos reunidos em frente ao portão principal da escola, ponto de paquera, o colega Firmino, como de hábito, pediu para o Bruno um “cigarette”, fazendo o gesto com os dois dedos nos lábios, como era o seu costume de falar para pedir um cigarro.
        Aí Bruno prontamente lhe entregou o cigarro preparado, ao que Firmino reclamou – Todo machucado cara!
        Muito sério, e olhando nos olhos de Firmino Bruno replicou:
        - Cavalo dado não se olha os dentes. Quer ou não quer?
        Firmino logo tratou de colocar o cigarro nos lábios, meio sem graça, mas precisava fazer pose para as meninas que estavam logo perto, embaixo da amendoeira.
        - A aurora não parava de lhe olhar, pensou Firmino.
        Neste instante, Olegário, outro colega da turma, cavalheirescamente puxou o isqueiro e acendeu o cigarro nos lábios de Firmino. Somente Bruno sabia e estava atento para o desenlace da brincadeira.
        Na terceira puxada Firmino encheu o peito, daria uma tragada bem gostosa e soltaria a fumaça em rodinhas no ar, aprendera tal arte com seu pai, mas de imediato o cigarro explodiu pegando fogo e tosquiando seus dedos.
        Neste ato Bruno já havia corrido para distante as gargalhadas enquanto Firmino irritado jurava ir à forra.
        Outra vez, na festa da Lapinha, bairro próximo ao bairro da Liberdade, onde existe a igreja dos Santos Reis e comemora-se no largo da igreja e ruas adjacentes a data de 06 de janeiro, com pessoas passeando nas ruas, barracas vendendo cerveja e comidas baianas, também se instalava brinquedos para a criançada, a exemplo de cavalinhos, roda gigante, etc.   
        Para animar ainda mais a festa havia um serviço de alto falantes a tocar músicas todo o tempo, normalmente músicas apaixonadas que um casal em relação amorosa oferecia ao seu namorado ou pretendente.
        Passeando pela rua principal da festa Bruno vislumbrou Olegário também por lá passeando, estava bastante orgulhoso de braços com a Aninha. Imediatamente foi ao serviço de alto falantes e pagou para colocar uma nota musical.
        Daí a instantes soou em toda praça a todo o volume a nota que assim dizia: “Alô, alô Olegário, ouça esta gravação que Semíramis lhe oferece com todo amor e carinho”. Imediatamente começou a tocar uma breguissima música de Orlando Dias.
        Foi um mal-estar completo entre o casal, até porque Aninha não sabia que a tal Semíramis era o nome de guerra de um gay. Entre a turma que estava presente na festa de largo foi a maior galhofada.
        Assim era o relacionamento de Bruno com seus amigos, porém fora essas leves brincadeiras era um cara amigo, todos os respeitavam bastante, era bom de copo, e com sua famosa navalha já havia feito uma plástica em um indivíduo que se houvera ousado com sua irmã.
        Um dia Bruno sentiu a necessidade de compartilhar a sua grande alegria de viver com seus colegas. Morava em daqueles casarões da Ladeira da Soledade, encheria a casa de amigos, este ano não convidaria aquela parentalha velha, seria uma festa de jovens.
        Havia conseguido um emprego no BANEB, estava com a grana e podia comprar as coisas com fartura para os amigos e colegas.
        Assim se fez, com a paciente ajuda de sua mãe e suas irmãs fez as encomendas de salgadinhos e doces. Para o almoço sairia uma suculenta feijoada feita por dona Janira a melhor feijoada de Salvador.
        Lelinha, sua irmã, teve a ideia de decorar a casa. Compraram papel e confeccionaram bandeirolas azul, vermelha e branca, cores do Esporte Clube Bahia, para enfeitar o quintal, onde deveria rolar um animado samba.
        Os convites foram distribuídos. Sim, seria uma festa de aniversário organizada, foram distribuídos cem convites. A recepção seria na Ladeira da Soledade nº 51 com às doze horas.
        O sábado amanheceu lindo, apesar de se estar no inverno, abril, aguas mil, tinha-se o costume de dizer em Salvador, por tanta chuva que caia neste mês.
        Bruno colocou uma linda bermuda branca, uma camisa azul e um tênis. Estava pronto para receber a patota.
        Deu doze e trinta, ninguém havia chegado.
Comentou – Este pessoal é mesmo sem pressa. Só vão chegar lá para as duas horas.
Deus uma hora da tarde, nada. Deu duas horas, nada também.
Bruno começou a ficar aflito. – Que está havendo? Falou para si próprio. Não é possível que ninguém venha.
As três horas da tarde não havendo viva alma resolveu ligar para Firmino.
- E aí bicho! Que é que está havendo.
A voz rouca de Firmino respondeu do outro lado.
- Está havendo porquê? Você pensa que a gente é otário é?
- Otário porque velho? Qual é o problema? Replicou Bruno.
- Ô babaca, vai enganar outro, você está querendo dar 1º de abril na gente é? Inquiriu Firmino.
Aí foi que Bruno caiu na real. – De fato era primeiro de abril, dia nacional da mentira. Todos deveriam haver pensado a mesma coisa. Não ligaria mais para ninguém.
Sentou-se em uma das cadeiras arrumadas em forma de círculo para as visitas e seus olhos marejaram. Porque naquela época homem não chorava.
Luís Lisbello
Enviado por Luís Lisbello em 15/11/2019
Código do texto: T6795650
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