PENÚRIA EM MOÇAMBIQUE

PENÚRIA EM MOÇAMBIQUE

nas paredes da cidade, não sei se é maputo ou cidade da matola

em todas cidades, em tempo sem tempos figurava a Fome.

nos meus aposentos, nas terras longínquas da minha avó era fome.

todas vezes que eu caminho, alguma coisa me atormentava,

me apercebo que não sou o único a ser flagelado.

descubro que há FOMES manifestas e invisíveis.

em cabo delgado.

em tete.

em gaza

nampula também tem.

tamanha ansia de um PÃO.

fome oculta, fome simulado pelos ricos para se rirem de nós,

fome crónica

fome canina

fome agónico

em todo canto que eu me encontro

não há encantamento se não choro.

são crianças, velhinhos, os gados morrem de fome e sede

é a falta de emprego, falta de salário digno que dê pra sustentar a família.

a fome aqui é de tudo, é de escola, de amor, de trabalho, de dinheiro e de comida.

mas a fome de comida é a pior que existe.

é a coisa mais horrível do mundo.

é uma coisa que aparece pra acabar com a vida.

e a pessoa se acaba devagar, aos pouquinhos.

comendo devagar o corpo.

começa com os ossos até chegar nas carnes.

até morrer.

a fome para mim virou normal

aqui em moçambique vejo homens de bem

com caras disfarçadas para uma santidade inexistente

fazendo o mal sem que ninguém os veja.

é a própria polícia que tortura com tamanha crueldade

os vendedores de zimpeto para aumentar-lhes a fome.

paro e assisto! não sei o que fazer se também estou com fome

rezo e muito. continuo rezando.

fome que recebe uma fração de nomes, se não alguns bocados.

as escolas fecharam, não tem mais crianças para estudar

cidades cheias

comunidades desertas

fábrica inutilizadas

bailem fechadas,

fomes chamados desemprego, sistemas económicos opressores,

sociedade anónima, lei que oprime, regulamentos,

regime democrático camuflado,

prostituição em massa, fruto da fome.

políticas bancárias que descriminam a juventude.

aqui é moçambique

as dívidas ocultas do meu país foram a chave desta fome maior.

a fome é mobilizada por eles também:

os sistemas internacionais.

o egoísmo do homem

a corrupção

quando é cozinhada, as vezes temperam com a vaidade e uma

dose de maldade para o pobre que lhe consome

aqui muitos lutam para enriquecerem desmesuradamente

à custa dos seus próprios compatriotas.

o sexo virou a maior prisão do homem.

até a minha casa todos animais morreram junto com minha avó.

fruto da penúria

em todo canto é só fome

na Igreja,

nos locais públicos,

nas cadeias pior nos hospitais pacientes morrem de fome.

novas prisões surgem em moçambique

a velocidade, a violência, eliminamos os heróis, substituídos por ídolos,

na baixa da cidade de maputo tudo esta capitalizado,

a juventude respira uma atmosfera moral profundamente poluída.

é cada vez mais difusa e densa está poluição.

a comercialização do nú, erotização da música

publicidades sexualizadas que tanto espalha

a delinquência dos jovens, fruto da fome.

há presos que estão livres.

há livres que andam presos, à miséria, ou o vício.

corpos amarfanhados onde não cabe alegria.

desde os tugúrios até às leprosarias há corpos em agonias lentas

é fome

muitas lutas por aqui

Essa coisa. ela tem força, derruba a pessoa.

vejo gente lutando para não esmorecer, pra não ficar fraca,

não botar tristeza na cabeça.

pra levantar a cabeça. Se ela vê que você está para

baixo, aí é que ela atenta, vem pra cima e toma conta

aqui há falta de tudo, salários horríveis, ou sem salário.

aqui está morrendo gente toda semana. tudo matado.

estão se matando uns os outros,

tudo isso por causa do desemprego desse país

tem jovens que entram na droga porque não tem emprego.

ontem conversando com a minha vizinha Tia Susana:

“e agora eu com dois netos mais e o pai deles desempregado. um

nasceu agora e outro na semana passada, de um coito errado que

meu filho deu numa menina. os dois são de baixo peso, porque as

mulheres não comiam.

gente daqui está na droga vizinho porque não tem emprego,

as moças e rapazes daqui, tudo jovem, tudo envolvido. ainda

bem que meus filhos só fazem filhos, mas não entraram na droga

estou muito chateado com a vida vizinho!

aqui tem o governo não pensa. o governo é uma máquina.

Uma máquina como outras máquinas.

não tem sentimento.

eu estou falando da desigualdade das pessoas, das coisas.

é gente com carro de ar condicionado

e gente que vive desse jeito que você está vendo aqui. gente

que não tem oportunidade de viver com um salário pra o sustento da

família. o governo não vê a questão da criança, a questão do adolescente,

a questão da droga.

cadê um projeto para tirar essas crianças da droga ? não tem.

Isso corta o coração da gente.

o governo quer que o povo viva na ignorância, pra votar neles.

a gente aqui só tem esses deuses e mais ninguém.

Desculpe o desabafo VIZINHOOOOOOOOOOOOOOÓÓÓÓ”

Notas do Autor:

Encontras neste texto, erros propositais do autor, fruto do uso da licença literária e recurso de uma linguagem própria. Não te assuste!

Estou usando um formato estético bem espalhado e minimalista, um dos traços comum dessa nova literatura que começa a tomar visibilidade, a contemporaneidade, com palavras de sentença ou situação do cotidiano, com frases curtas ritmadas e em minúsculas, sendo o leitor responsável por preencher as lacunas e seus fragmentos.

Seu comentário vai ajudar muito.

Sydney Sindique
Enviado por Sydney Sindique em 28/11/2019
Código do texto: T6806044
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