O filósofo e o ignorante

Certa vez se encontraram num bar um filósofo e um ignorante.

Eu estava sentado duas mesas de distância de ambos e fiquei à escutar a singular conversa que se derramava diante de meus ouvidos.

Filósofo - A vida é por demais confusa, meu caro! E quanto mais se tenta entendê-la, mais o sentido dela se lhe escapa por entre os dedos.

Ignorante - Você é um idiota. Tentar entender a vida dessa forma tão intelectual. Pra quê? Quem foi que lhe disse que precisa ser assim? Olhe pra mim: nada sei do que você sabe e mesmo assim penso que minha vida não seja menos significante do que a sua.

F - Pode ser. E ninguém me disse que deveria ser assim. Penso que é algo intrínseco a minha pessoa. Eu tenho essa necessidade de perscrutar tudo, investigar os pormenores da existencia humana e entender os porquês de tudo que se pinta diante de mim, dentro de mim, fora de mim, e por aí vai.

I - Pra quê? Minha pergunta continua sendo a mesma. Vocês tiram o gosto da vida quando tentam definir que gosto ela tem. Chegam a conclusão de que a vida não tem gosto algum e tentam fazer com que o mundo à sua volta veja e perceba o mundo da mesma forma que vocês. Nunca lhe ocorreu que isso seja a forma mais cruel de tirar a alegria que alguém tem em viver a vida simplesmente como ela é?

F - Ah, meu caro. Já me ocorreu sim. Mas então, só posso lhe perguntar uma única coisa diante de tudo isso que acabou de me dizer: "Que é a vida para você?"

I - A vida é como um mar: vastíssimo e inexplorado pela maioria. É isso que a vida é. Repleta de experiências possíveis e desejáveis de serem vividas. Eu estou nesse barco em alto mar e, ao invés de ficar me perguntado o sentido do barco, do mar, ou das ondas, apenas me deixo levar e faço tudo que tenho vontade e que se apresenta diante de mim.

F - Mas isso não faz com que você viva a vida de maneira muito irresponsável?

I - Que quer dizer com isso?

F - Ora, tudo que foi capaz de me dizer até agora é que a maneira mais autêntica de viver a vida é aquela forma que não se priva de nenhum prazer, certo?

I - Certo, foi exatamente isso que eu quis dizer.

F - Então, o que você faz quando o seu desejo ultrapassa o seu limite de liberdade e interfere na liberdade do outro? Digo, do seu semelhante.

I - Não sei. Nunca me questionei sobre isso. Tá vendo como você é? Lá vem você querendo roubar a cor e o sabor da minha existência. Talvez meu amigo, quem de nada sabe de nada se sinta culpado. Não?

F - Sim, é isso que querem dizer quando dizem que a lei expõe o erro. Não é mesmo?

I - Mas eu sou cumpridor da lei. Um claro cumpridor da lei.

F - Da lei que conhece. Mas e quanto às leis que desconhece?

I - Ora, dessas estou impune de pagamento posterior. Eu não as conheço. Como poderia ser culpado de ter cometido o mal? Viu como é tudo simples?

F - Talvez. Digamos que você esteja com seu carro em uma rodovia que não sabe qual a velocidade máxima permitida. O que você faz?

I - Ora, dirijo como sempre. Não mudo meu jeito de ser por estar num local diferente. Sou quem sou. Logo, só posso ser o motorista que sou sempre. Viu como também sei falar difícil? Hahaha

F - Sei. Vi sim. Quer dizer então que você será multado nessa rodovia, a menos que dirija exatamente numa velocidade menor que a máxima permitida. Ou seja, em não sabendo se está correndo demais ou não, você fica na dúvida, mas segue seu caminho. Ora temeroso, ora tranquilo e sossegado. Se passa por um radar, diminui. Se vê um policial diminui. Se vê um posto de polícia, diminui. Mas nunca sabe ao certo se precisava diminuir ou não. Certo?

I - É, vendo por esse ponto de vista, é possível afirmar que quem sabe a velocidade da rodovia possa dirigir mais tranquilamente, sem dúvidas.

F - Então descobrimos ao menos uma vantagem para quem conhece uma regra, afinal.

I - Parece que sim. Porém, não significa que não vou aproveitar minha viagem. E, sinceramente, é bem provável que chegarei mais rápido ao meu destino final.

F - Certo. Porém, não sabemos se não haverá nenhum ônus para o senhor acertar depois, já que pode ter passado por algum radar sem ter se dado conta, ou policial, embora um posto da polícia seja impossível não ver.

I - Concordo com isso. O risco sempre haverá em cada viagem que eu fizer.

F - Então, nosso placar está: filósofo 1, não filósofo 0.

I - Que seja. Aliás, se eu soubesse a velocidade máxima permitida da rodovia isso não me faria um filósofo, faria?

Fim do primeiro capítulo.