Som inaudível

Auditório cheio, o riso teima em aparecer e surge aquela sensação gostosa de quem tem o ego acariciado. Como seria bom que essa sensação se prolongasse pelo maior espaço de tempo possível. Após ser anunciado a preocupação substitui o riso e o agora tenso personagem ouve as batidas do coração e sente o suor escorrendo pelo corpo apesar do frio que sai do ar condicionado.

As primeiras falas são estrategicamente decoradas, tática para se sentir mais seguro. Logo percebe que alguns cochilam precocemente, outros bocejam e se mexem impacientes nas poltronas, outros cochicham com o vizinho do lado, alguns se levantam e saem da sala. A camisa começa a ficar úmida e o suor já ameaça escorrer pela testa. Desvia o olhar, tenta se concentrar na fala. Aos poucos, sem se dar conta, é despertado por um silêncio interessado e olhares atentos. Sente de novo aquela sensação de prazer, lá do início. Se solta, gesticula forte, já não percebe o tempo passar e, animado, eleva ao máximo o tom da voz. Aplausos vigorosos; mal consegue segurar o riso que, mais uma vez, teima em aparecer.

De relance, percebe alguém se dirigindo com um pequeno gravador na mão.

- Professor, parabéns. Desculpe não ter pedido permissão para gravar. Se importa?

- Claro que não, sem problema.

- Obrigado, vou fazer uma cópia e já lhe entrego

Ainda exultante com sua performance inicia a escuta da gravação. A audição tem início e, de imediato, estranha sua voz. Não tem nada a ver com a que idealizava para si. Escuta mais uma vez, insiste e não a reconhece. É como se aquele som verbalizado pelo gravador fosse de outra pessoa. Pensa na voz grave e pausada de Leonard Cohen. Hallelujah!!

FCintra
Enviado por FCintra em 14/02/2020
Reeditado em 20/05/2024
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