Nunca é Tarde

“Nunca é tarde. Quem nunca ouviu ou até mesmo disse para si mesmo essa frase? Praticamente todos já vivenciaram algo do tipo. Há dois meses encaro a pior situação da minha vida, um luto que parece nunca ter fim. Engraçado que é uma contradição do que sentia e almejava para meu futuro. Estava feliz com minha esposa e amado filho. Com apenas meses de vida, Daniel já se mostrava um garoto forte e risonho, sempre rindo de tudo e todos. Era uma felicidade enorme chegar do serviço e assistir Débora paparicando o nosso filho. Rapidamente me juntava a eles. Infelizmente, em um dia, essa volta do serviço não teve o desfecho conforme estava acostumado. Ambos estavam me esperando, mas dessa vez de uma maneira estática, imóvel. Totalmente sem vida. Desespero. Agonia. Tristeza. Todos esses sentimentos e derivados me afloravam naquele momento e tudo piorou no desenrolar. Familiares abalados. Amigos que naquele momento não me deram apoio. O desânimo logo me abateu e o desemprego veio com uma velocidade astronômica. Não tinha mais fome. Não saía mais de casa. Não queria fazer mais nada. Todos os dias me perguntava por qual motivo eu ainda vivia. Por qual razão eu deveria estar ali, sem meus grandes amores. Precisa me decidir, tinha que resolver tudo aqui e já sabia qual seria a solução. Mas antes gostaria de fazer uma confissão, esse fato vem me consumindo nos últimos dois meses e preciso partilhar com quem encontrar esse papel. A verdade precisa ser dita. Não era a minha intenção esse final trágico ao deixar aquele serviço inacabado de elétrica. Enfim era domingo, já tinha bebido bastante com os amigos e trabalhar com eletricidade em um estado não controlável é complicado, prometi para mim mesmo acertar tudo na segunda à noite, após o expediente, mas acabei não contando com a curiosidade de Daniel e nem com o desespero de Débora ao tentar ajudá-lo ao perceber que seu filho, nosso filho, estava sendo eletrocutado. Tudo foi culpa minha. Imprudência total. Todos acabaram acreditando que foi um acidente doméstico, muita das vezes com bases em argumentos reforçados por mim, pois não queria descobrissem a verdade. Não queria que me acusassem. Mas carregar esse fardo foi pior do que confessar. Mas como dizem por aí, nunca é tarde.”

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Manchete do jornal na manhã seguinte:

“Homem comete suicídio. Depressão é tido como principal motivo.

Leandro Fonseca
Enviado por Leandro Fonseca em 15/02/2020
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