Vielas

Um moleque entrou correndo pela viela, corria como se fosse impulsionado pela culpa, medo e culpa, ele quase esbarrou em mim, eu também ia entrar pela viela, mas não da mesma forma, aos meus olhos a viela se tratava apenas de uma passagem cotidiana, para aquele moleque era uma saída e julgando os olhos dele, aquilo era uma questão de vida ou morte. Ele passou pelo meu lado, eu pude sentir o vento sendo atravessado por aquele corpo mirrado e ao mesmo tempo eu pude sentir o calor que sair do corpo dele pela explosão da corrida.

O moleque apesar de magro, possuía uma musculatura vigorosa, como daqueles felinos que aparecem durante a caça em documentários da TV Cultura, o que me fez pensar que ele corria constantemente, tal qual um animal selvagem, estava acostumado a correr para garantir a própria vida, mas se ele corria para garantir a própria vida, do que ele tanto corria?

Logo que me fiz essa pergunta, eu me virei para tentar entender do que tanto esse moleque corria, o que poderia deixar ele em tal estado de explosão, foi quando vi dois sujeitos uniformizados e com armas em punho, cada um deles equivalia a dois de mim e levando em conta que eu equivalia a dois do moleque, seria como ver um pequeno batalhão de dois homens para cima daquele pequeno corpo esguio. Eu acabei por ficar indeciso sobre o que fazer, sair da frente? Mesmo a certa distância, eu já me sentia rodeado por eles, não poderia correr, não tinha motivo, não tinha necessidade e nem mesmo a mesma paixão para salvar a minha própria vida.

Tive apenas tempo para me virar novamente em direção a viela, quase que da mesma maneira, eu senti o vento sento rompido, mas desta vez em volta de mim, a mesma sensação de sentir o calor dos corpos, desta não, eu não sentia medo, mas sim uma sensação de raiva, se aquele moleque tinha o espirito de um animal correndo pela própria vida, aqueles dois eram os predadores de fato e de alguma forma, eu não estava dentro da cadeia alimentar deles; não negarei que me senti aliviado por isso. Da mesma forma com que vi o moleque entrar correndo pela viela, eu vi os dois sujeitos sumir por ela também, ainda que eu tivesse uma ideia do que se daria de tudo aquilo, eu ainda assim quis ver.

Como se eu não fizesse parte daquele mundo, ou mesmo daquela sequência, eu entrei tranquilamente pela viela, virei à esquerda, virei à direita e em questão de menos de dois minutos eu estava do outro lado da viela. Assim que saio da viela, encontro os dois oficiais tal qual dois sabujos, tentando rastrear por onde o moleque havia se enfiado, eu mesmo já sabia que aquilo era somente uma cena para que não admitissem a derrota, pelo menos não tão fácil. Àquela altura, o moleque devia estar já em outra rua, duas ruas depois daquela, cortando por vielas que eu nem se quer conheço, nem mesmo eu conseguiria prever por onde ele havia se enfiado.

Eu olho para os oficiais que se olham aceitando que já não havia mais o que fazer, eles deveriam voltar para a viatura e ir embora, a derrota pesava sobre os músculos que entravam novamente pela mesma viela por onde haviam saído, eu os olhei pelo canto dos olhos, não me atrevi a me virar por completo, pois eu tinha um sorriso satisfeito no rosto, ou era qualquer coisa parecida. Pensei que nessa caçada, um dos dois acaba gozando da vitória, desta vez foi a presa.

Antes de chegar em casa, saindo de dentro de uma viela estreita e sem saída, eu vejo o menino contando algumas cédulas de dinheiro, que olhando por cima, não tinha mais do que vinte reais em notas de dois reais, como se fizesse parte da rotina dele, ele entra tranquilamente na quitanda do seu Euclides, cujo o nome que nunca vi ninguém pronunciar, é Viela.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 02/03/2020
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