DECEPÇÃO NA VIDA

Ano 1970. Cheguei ao Rio de Janeiro sonhando em ser um alguém importante na vida, mas para o meu desencanto fui ser vendedor do carnê Erontex, que naquela época fazia muito sucesso com a divulgação e os concorridos sorteios num renomado programa de televisão.

Após um exaustivo treinamento me mandaram trabalhar na Ilha do Governador, onde a maioria de seus moradores era militar e por isso eu acreditava que lá eu faria uma grande venda, pois, em minha opinião, eles tinham bastante dinheiro e eu seria o melhor vendedor de carnês da equipe. Fui treinado a não deixar o cliente falar absolutamente nada enquanto eu lhe detalhava tudo sobre os vários produtos Erontex, e que, também, nesse precioso tempo eu deveria olhar para bem dentro de seus olhos sem deixá-lo desviar a atenção.

Ilha do Governador - oito horas da manhã - chegamos à primeira rua, aparentemente de gente pobre, aonde começaríamos vender os carnês.

A equipe desceu da kombi e o chefe distribuiu o pessoal nas ruas. Bati palmas na primeira casa que vi e lá uma mulher bem feia; sem sutiã e peitos caídos, desdentada e de cabelos alvoroçados, me atendeu. E tal como me treinaram, a ela fiz o meu orgulhoso, magistral e longo comentário sobre os inúmeros produtos Erontex, assim lhe dizendo:

– “Bom dia madame! A senhora estaria interessada em adquirir produtos Erontex? Não deixe a sorte escapar de suas mãos; chegou a sua vez. Pois bem! Nós temos de tudo que a senhora precisa para o seu amado lar. Temos geladeiras, sofás, fogões, pratarias, televisores, bicicletas, penteadeiras, lavadoras, colchões, camas, mesas, armários, guarda-roupas, brinquedos, tecidos e muito, muito mais, e, além do mais, a senhora ainda concorre a um valiosíssimo prêmio de um milhão de cruzeiros nos animados sorteios da tevê tupy. Já pensou ... a senhora ganhar um milhão e ainda ficar famosa na tevê? Para que tudo isso lhe aconteça - e vai acontecer -, basta que a senhora me compre um precioso carnê Erontex.

Eu falava todo este decorado lero-lero na ponta da língua tal como fui treinado pelos pessoal da empresa.

– Não! Não quero nenhuma porcaria de carnê. Assim me disse a primeira, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta clientes e desse modo se foi toda a manhã e parte da tarde sem eu vender absolutamente nada.

Lá para as quatro e tanto da tarde, ao entrarmos numa rua muito bonita, notei que meu tênis conga furou e eu também já sentia minhas mãos arderem de tanto bater palmas de porta em porta. Para completar o meu fracasso, o dedão do meu pé direito saiu pelo buraco do tênis e ficou se assando no asfalto quente. Foi naquele exato momento que o chefe da equipe me gritou mostrando uma linda casa, e assim, ele me disse:

– Ei, você ai, bata palmas naquela casa azul.

Olhei para a dita cuja e vi que era uma luxuosa residência com um belo quintal florido e bem ajardinado, e lá no meio dele havia um lindo automóvel Ford Galaxie 1964, prata, brilhando igual um rubi. O belo carrão estava todo enfeitado e parecia ter sido usado recentemente no transporte de um casal em núpcias, pois tinham fitas coloridas e muitas latas amarradas num barbante preso no seu pára-choque. Não me contive, e seguidamente gritei:

– Ô de casa. Ô de casa. Ô de casa. Bati muitas pasmas. Ninguém atendeu. Insisti batendo palmas por várias vezes, mas ninguém apareceu. Pensei que lá não tinha gente. Mas eu precisava, pelo menos, vender um carnê.

– Ô de casa. Tem gente ai? Ô de casa - Insisti gritando.

O chefe me olhou e fez sinal de positivo com o dedo polegar para cima, como a me dizer: – é isso ai cara, nunca desista, bata mais palmas. E eu não desisti. Naquela casa eu venderia - no mínimo -, um carnê. Dei uma olhada para o lado de dentro do muro e vi um botão vermelho na parede, era o botão da campainha, e eu, contente, o apertei seguidamente. De repente a porta da casa se abriu e lá apareceu um sujeito fortão, só de cueca; coçando as vistas.

Acho que ele estava cuidando de seus principais afazeres do pós núpcias, e de lá da porta ele me esbravejou, assim urrando:

– Que você quer, cara? Por que você está infernizando a minha vida com esse barulho do diabo? É gritos, é campainha é palmas. Que você quer? Fala!

A voz do cara parecia rugidos de um bicho. E de lá do portão eu lhe respondi gritando:

– O senhor estaria interessando em adquirir um carnê Erontex? Aquele que tem sorteios no programa Blota Júnior da tevê tupy? Pois bem: nós temos geladeiras, fogões, bicicletas, lavadoras, colchões e..... blá, blá, blá, blá. O cara ouviu todo meu lero- lero coçando a cabeça com a mão esquerda e com a outra mão ele dava murros no ar. Depois fez uma cara de demônio e me disparou lindas palavras, assim gritando:

– Escute aqui seu filho da puta: porque você não vai pra puta que te pariu? Agora você pega seu monte de carnê e enfia tudo no seu xxxxxx

Juro, pensei que o cara queria me matar.

Virei-me para o chefe, que calado a tudo assistia, e lhe disse:

– Chefe, como nada eu vendi nada tenho a receber, certo? Eu me demito. Me esquece, tchau!

Foi o emprego mais rápido que já tive na vida. Ele só durou algumas horas.

E como consolo eu sai me aconselhando, assim monologando:

– Caaalma garoto, não se avexe! Vinte e dois anos não é nada. Você é muito novo!

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 12/03/2020
Reeditado em 03/05/2021
Código do texto: T6886406
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