Angústia

Tenho um vizinho alagoano.

Palmarino, alagoano de pura cepa:

come cuscuz-de-milho 3 vezes ao dia

(comeria 4 vezes, se a empresa onde trampa

não desse janta),

sotaque afiado feito navalha, fala tão rápida

que ainda não inventaram tecla SAP

para tradução

e se veste como capiau.

Seu cafofo é parede, parede com o meu.

Ontem o desgraçado bateu na minha porta

passada meia-noite.

Perguntei quem era, ele disse.

Negão, febre do rato, abre aí.

Me dá uma colher de margarina,

quero fritar ovo.

Abri a porta.

Eu estava de papo com Dostoievski. Ele viu

e perguntou.

Que desgraça é essa aí?

Graciliano é melhor, não é? Perguntei.

Que desgraça é Graciliano?

Abri a geladeira, peguei a vasilha da margarina

e entreguei.

Não quero isso tudo, é só uma colher, desgraça.

Leve tudo vizinho, leve tudo, falei.

Fechei a porta, pus Dostoievski para dormir

e fui descansar meu espírito fadigado

depois de tanta desgraça..

Grouchesco
Enviado por Grouchesco em 20/03/2020
Reeditado em 20/03/2020
Código do texto: T6892546
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