Joaquim, o Necessário, o Querer e o Medo

Sempre a mesma indagação: O que era necessário? Querer, ele queria muitas coisas. Fosse enumerar a vastidão de seus desejos se perderia. Massacrante era discernir o necessário. Sentia uma distância entre o viver, o sobreviver e o necessário para uma vida. A questão da sobrevivência não se colocava como incômodo. Tal era de um vício inescapável que, para tal, providenciava. Incomodava-lhe saber o necessário para a sua vida. O que seria indispensável para o seu existir e para disso saber o que fazer desse existir.

Na altura de seus dezessete anos, momento de próxima a conclusão dos estudos fundamentais e às vésperas de decidir o que definiria o curso de sua vida daí em diante, Joaquim já se inquietara com essa temática. Estava sempre refletindo sobre vocação, paixão, vontade, aptidão, dom e, mais importante, o que fazer com tais. Sentia uma necessidade em não apenas viver por estar vivo. Queria da vida grandes realizações. Realizar não só para ele. Deixar feito por e para muitos. Mas o quê? Isto ele ainda não sabia.

Andava pelas ruas como se a procura do motivo, do que o faria despertar desse sono inerte, contudo inquieto, do que por fim lhe faria fazer. Fazer o quê afinal? Certo estava de uma coisa: teria que ser mais, muito mais do que vinha fazendo. O que seria então necessário para esse despertar, para essa descoberta? Sabedoria ele queria. Às vezes achava que ela seria necessária, indispensável para descobrir o que tanto o angustiava. Outras tantas vezes frustrava-se, pois seu imediatismo o cegava, o enchia de descrença lhe dizendo estar apenas a desperdiçar o tempo.

Dezoito. Era esse o número que media a sua existência. Existência do quê? Acrescentava-se mais um número que se entulhava aos anteriores. A soma do tempo nem sempre fora algo positivo para ele. Tentava relativizar o tempo, as experiências, distinguir o que fora aproveitável e se ele de fato soube aproveitar. Era permanente essa necessidade de acumular o que parecesse importante para utilizar nalguma coisa de real valor. Melhor seria dizer notável valor. Sua inquietude era tamanha que por muito lhe escapava a razoabilidade. Ânsia de chegar logo. Afã de realizações notáveis. Por fim ficava a sensação de estar sendo possuído por vaidades. Ignóbeis vaidades.

O que ele estava construindo? O que ele queria construir? Por que queria construir? E, a mais cruel: O que era necessário para construir? Eram interrogações que o enlouqueciam. Em momentos de calmaria, ele sabia que queria ser sábio. Um caminho para alcançar a sapiência estaria nos livros. Para ele, nos livros residiam respostas. Tolice. Nos livros residiam muito mais perguntas que respostas. Mas não sentia frustração. Começara a preferir as perguntas. Para quê ter respostas para tudo? Quem as julgasse ter grande mentiroso seria. Contudo essa vontade de muito saber. De saber para discernir. Separar bem.

A vida. Essa já o havia ensinado coisas diversas. E o que de fato Joaquim aprendera agora na entrada de seus vinte anos? Comer é necessário; vestir-se uma regra dita na lei; mães seres superiores; observar bem o movimento dos carros ao atravessar uma avenida; que a dor vem de muitos lugares e formas; que a injustiça simplesmente existe; boas ou más, as pessoas são apenas um amontoado de informações a que foram cercadas; que a paixão consegue de bela se fazer num monstro feio e cruel; que seu pai é seu pai e não se confunde com o de mais ninguém, ao contrário das mães, ele pode ser deus ou diabo, ou ambos; que pode ser perigoso amar; olhar o mar é tão bom quanto nele se banhar; que solidão é coisa ambígua; que a verdade não é tão benquista assim; que a música sabe todas as línguas; que os sorrisos fáceis demais são traiçoeiros; que ninguém está preparado para a morte…

Era mesmo do tipo de muito se cobrar. Joaquim tinha esse sentimento de que a vida era mesmo coisa grandiosa. Portanto não a queria desperdiçar. Era dedicado aos estudos, muito embora pouco se interessasse por algumas matérias. Assim ele cresceu escutando de seu pai a importância dos estudos, e a autoridade da palavra de seu pai bastava para ser verdade. Então esforçava-se ao máximo e estava sempre entre os primeiros de sua turma, e isso desde muito criança. Crescera habituado as pessoas esperarem muito dele, talvez daí essa pressão e exigência pesada consigo mesmo. E os estudos para ele eram coisa a que dedicava muito gosto e prazer, o que recompensava qualquer sacrifício. E assim ele seguia se domesticando o quanto fosse suportável para então ser motivo de orgulho. E conseguia. Era sempre cercado de elogios. Mas aprendera que tais elogios e honrarias não vinham gratuitamente. Apenas ele sabia o custo. Bobagem para alguém como Joaquim, era do tipo sempre disposto a sacrifícios que trouxessem expressivos resultados. Acreditava mesmo que somente através de sacrifícios e disciplina, alcança-se o que, por essa época, ele enxergaria como valido à pena. E por algo que valesse a pena ele compreendia ser a coisa pela qual se acredita e, de igual modo, pela qual se chega a um bem maior.

Nesse afã da juventude iniciada, Joaquim sentia-se emaranhado na assustadora temática do sexo. Na realidade era deveras confusa. Seus desejos eram coisas que, por todo lugar, todos diziam como deveria ser. Era coisa de domínio público. A religião o ensinava tantas regras. Com esta ele convivia de perto e desde cedo. Ouvia de amigos, e mesmo em qualquer lugar, aquilo que era dito o normal, e que deveria ser o seu comportamento. Sentia a pressão de sentir a necessidade de ser um igual. O problema, ou poder-se-ia dizer, a virtude de Joaquim, era a de questionar. Ele estava sempre se questionando e, conseqüentemente, questionando o que lhe fora externo. Tudo o que lhe diziam, antes de qualquer conclusão, passava por interrogações. Dessa vez, as interrogações se encontravam com seus próprios desejos.

E talvez aqui comece a verdadeira inquietação de Joaquim. Talvez nesse quesito, tão íntimo, tão pessoal, tão particular, se vira confrontado com a sua necessidade que, sempre com olhos para o externo, para aquilo que de dentro – a sua existência -, faria para fora – o mundo -, ele parou e, pela primeira vez, fora tomado pelo medo, o medo de não mais querer continuar na sua busca. Quando finalmente se deparara com a distância, o verdadeiro abismo que separa o ser e o ter que ser.