Conselho de Cecília

RECOLHIDO em casa, obedecendo às recomendações das autoridades médicas e nunca a dos malucos do gabinete do ódio, o homem aproveitava para dar uma geral nos seus guardados, mas evitando aquilo que contivesse poeira e cheiro de mofo. Enquanto remexia nos trecos, usando máscara para evitar os espirros, pensava no problema que afetava tanto o seu país como o mundo. Fazia um esforço enorme para desviar o pensamento, mas era em vão, a realidade sempre aparecia e amedrontava.

Mas quando começou a encontrar fotos antigas, velhas cartas, chaveiros, canetas, fitas-cassetes..., começou a esquecer o coronavírus. E quando encontrou o velho dicionário (Houaiss) ainda na velha ortografia, animou-se ainda mais, era um velho e querido companheiro, mas a alegria ainda foi maior quando achu dentro dele um recorte de jornal com um pequeno texto de Cecília Meireles, a grande poetisa brasileira. Leu baixinho o texto:

"O respeito mútuo, um respeito sem fingimentos e nem rotinas, um respeito bem intencionado, que todos os dias se ilumina de argumentos novos e todos os dias se sente pequeno diante da sua aspiração, poderá servir de base, dentro da obra educacional a um novo movimento de resultados eficientes, no problema urgentíssimo de salvação do mundo pela garantia unanime da paz".

Acrescentou baixinho: Cecilia fazia poesia até em prosa. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 29/03/2020
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