O Relogio Roubado

Arnaldo recolheu o jornal junto à porta, separou os cadernos e se di-rigiu ao sofá da sala. Sentou-se e, tranquilamente, se pôs a ler de frente pa-ra a rua. Estava tão absorto na sua leitura que não viu o policial chegar. Assustou-se quando o viu. A mando do delegado ele foi chamá-lo para re-conhecer e recuperar um objeto que fora roubado por um meliante em sua residência. O delegado estava esperando. Arnaldo a princípio, ficou meio desconfiado da conversa do policial. Mas, não disse nada a mulher e foi à delegacia. O delegado depois de cumprimentá-lo, lhe disse que um assaltan-te fora preso, no momento em que pulava o muro de sua casa, e após um rigoroso interrogatório, confessou que havia entrado em várias residências e roubado muitos objetos de valor. A polícia foi a casa dele e encontrou, além de vários aparelhos eletrônicos e joias, um bonito relógio de pulso. O meliante fez uma reconstituição dos furtos nos locais roubados, indicando uma a uma as casas assaltadas, relacionando-as aos objetos furtados. De-pois de tudo esclarecido mandamos chamar os respectivos donos para o reconhecimento e fazer a devida devolução. O senhor é o dono de um reló-gio, disse o delegado. Mostrando-o.

Ao ver o relógio, Arnaldo afirmou, categoricamente, que o mesmo não era seu. O ladrão na certa se enganara de casa. O delegado lhe assegu-rou que ao fazer a reconstituição dos roubos, o assaltante garantira com muita convicção que o relógio fora roubado em sua casa. Além disso, o bandido fora preso quando saía de lá. Arnaldo negou que tivesse sido as-saltado. Tentou convencer o delegado, demonstrando que pelos seus cálcu-los, naquela noite, ele estava viajando a negócios e que só chegara em casa no dia seguinte. O relógio no braço era a prova de que estava com ele na viagem. Não havia outro relógio de pulso em sua residência, insistiu. Criou-se então um impasse. O processo todo evoluía na direção de um final im-previsível. O delegado estava diante de um dilema: queria devolver o reló-gio ao verdadeiro dono, porém, este afirmava que o objeto não era seu.

Para resolver a questão, mandou buscar o ladrão que na presença de Arnaldo confirmasse a história que contara. O meliante garantiu que o reló-gio fora roubado na casa da esquina, com duas palmeiras na frente, onde ele foi preso, deixando Arnaldo encabulado. A descrição da casa feita pelo assaltante não deixava mais nenhuma dúvida: O relógio fora roubado em sua residência.

Apesar de clareza do depoimento que resultou na negativa do senhor Arnaldo de não ser dono do relógio, o ladrão continuou afirmando com convicção que o apanhara lá. Para provar a veracidade do que estava di-zendo ele terminou com uma confissão bombástica. Disse que ao entrar no quarto do casal ficou tão emocionado com o que viu, que resolveu pegar apenas o relógio que estava sobre o criado-mudo e sair de mansinho para não os acordar. Os dois dormiam tão agarradinhos que ficou encantado com tão bonita cena de amor. Por isso, não roubou mais nada, e saiu ime-diatamente da casa. Quando pulava o muro, foi preso.

Pouco a pouco, a confissão do bandido foi desmoronando as convic-ções de Arnaldo que ficou sem saber o que dizer, pois não tinha como não acreditar na história que o meliante contara. Aquelas palavras tão sinceras do assaltante soaram terrivelmente verdadeiras em seus ouvidos e muito claras em sua mente. O estrangulamento que sentiu na boca do estômago não foi percebido pelo delegado, porém, aquela história o deixara intensa-mente furioso. Não precisava de mais nada para ter a certeza de que sua mulher tinha um amante, e se encontrava com ele na sua ausência. Tentan-do disfarçar sua indignação, pegou o relógio, e saiu dali rapidamente.