AS AVENTURAS DE UM CAÇADOR DE PATOS - PARTE 1

1. AS AVENTURAS DE UM CAÇADOR DE PATOS

Chapter # 1

Autor: Moyses Laredo

Me convidaram e eu fui, disseram que era para participar de uma caçada, como a coisa era exclusiva para homens, nem duvidei se tinha mulheres e cervejas, peguei minha roupa camuflada de guerra na selva com chapéu e tudo, porque isso me empestava uma imagem muito forte, de cabra macho mesmo. Na década de 80 a caça de patos ou marrecos era livre, não havia fiscalização e nem controle, principalmente na região de Janauari, lugar bem próximo de Manaus, era só atravessar o rio Negro e pronto, já se estava em um dos seus grandes lagos, o céu de lá escurecia, das revoadas de patos e marrecos, era uma coisa de louco ver tudo aquilo, ao longe dava pra confundir com as nuvens escuras de chuva. As maiores movimentações das aves ocorriam nos crepúsculos, ou seja, ao amanhecer e entardecer, quando os bandos alçavam voos para os campos de alimentação ou se recolhiam para seus locais de dormida, mas, durante o dia, a qualquer hora podia-se ver ao longe, os bandos fazendo aqueles desenhos no céu como fazem as andorinhas quando em revoadas. Um grande amigo do meu irmão, contava grandes vantagens, dizia que os patos por lá chegavam a pesar uns quatro quilos, ouvia-se tudo aquilo com muita expectativa. Um dia, nos organizamos e fomos ver de perto esses famosos patos acima do peso.

Nessa época eu fazia viagens para Porto Velho a serviço pelo BNH, conheci um construtor que veio a se tornar um grande amigo, ele, um paraibano já de meia idade morava em Rio Branco e viajava constantemente a Cobija, na Bolívia, fronteira com a cidade brasileira de Epitaciolândia. De tanto me ouvir falar em caçadas, me trouxe de presente, em uma de suas viagens por lá, uma Espingarda Pump CBC Standard Cal.12 - Cano 24" - 7 Tiros+1 – cabo de madeira. A arma era de fato uma maravilha, tinha até um obturador de fogo na extremidade do cano, i.é, podia-se abrir ou fechar (enroscar ou desenroscar) a alça. Ideal para caçar patos, era uma maravilha, porque podia-se abrir o obturador em até 90º, pegava patos até fora da mira, era uma chuveirada de chumbos, novidade por aqui, porque as armas que os “caçadores” possuíam eram de um ou dois canos, portanto, dois tiros e uma pedrada, como diziam, porque as vezes, para recarregar, os cartuchos se engatavam na câmara e sempre se fazia necessário ter por perto uma faca ou canivete para retirá-los, nesse meio tempo o bando passava, a última opção seria jogar a espingarda neles. Já a 12 que ganhei de presente, era só engatilhar e apertar o gatilho, fazer isso oito vezes, uma vantagem enorme.

A nossa expedição era formada pelo Saló, José, eu e um amigo do José, tido como expert em caçadas e detentor de uma pontaria invejável, segundo ele. Lembro-me que, alguns dias antes, quando eu trouxe a arma que o meu amigo me presenteara, ela veio embalada num estojo que era uma maletinha chique, dentro, a arma desmontada, o cano ao lado, pois era só enroscar, assim cabia na dita maletinha. Nela vieram também, de cortesia, alguns cartuchos soltos, não soube a quantidade. Quando mostrei em casa, depois que enrosquei o cano um irmão queria ver, experimentei engatilhar a arma e disparar, (sem municiar, é claro!) antes de passar para ele, mesmo ciente de não estar municiada, tudo a título de prevenção medida de segurança, repeti o procedimento uma, duas, três, embora recomenda-se três vezes, e sempre assediado pelo impaciente irmão, que queria ver a arma de qualquer jeito, porém, na quarta vez, última engatilhada, a arma disparou, foi um susto geral, fez um estrondo ensurdecedor, um rombo enorme no azulejo da casa da Sarita, acima da porta, depois do disparo, a cozinha se encheu de fumaça, caroços de chumbos voaram para todos os lados, inclusive por cima da geladeira, fogão e saiu pipocando pelo chão, etc. A Sarita que estava na sala deu um grito desesperada e perguntou se alguém estava ferido, graças à D’US que não! Enquanto testava a arma, sempre apontava o cano para o alto, isso evitou que alguém se ferisse seriamente, esse foi o início, ou ponto zero das nossas caçadas.

A questão, depois de ter passado o susto, foi saber como esse “maledito” cartucho entrou na câmara certinho, se estava solto na maleta como os outros e com a arma desmontada, e porque não disparou nas três vezes que acionei o comando de tiro? Nunca conseguimos uma explicação plausível, do cartucho deixar-se cair certinho na posição, somente no último engatilhamento, o fato é, que essa minha precaução salvou a vida de alguém de lá de casa.

Partimos para a tal caçada, depois de todas as preparações, e provisões compradas, saímos, em direção à praia de São Vicente, na final da Av. Sete de Setembro, nessa época, morávamos na Alexandre Amorim, Aparecida, lá chegando, estacionamos os carros, descemos o barranco carregando toda a tralha nas costas, o Rio Negro estava na época da seca e formava uma longa caminhada na praia, haja toco e pedra no caminho, aumentou a caminhada com as tralhas no lombo. O Saló tinha um novo dengo na sua vida, tinha comprado um “tó-tó-tó”, era um barquinho regional de madeira menor do que os conhecidos “pô-pô-pô”, que por sua vez, era menor do que os motores de linha (aqueles que faziam linha para os interiores), mas, acomodava todos com folga, quer dizer, não era bem assim, mas...o Saló o batizou de “Dengoso” também não poderia ser diferente tal era o chamego por “ele”.

Depois de todos embarcados, bagagens e tudo o mais nos seus lugares, rumamos para o Pontal abastecer o Dengoso, que maravilha, andava bem...digo, bem devagar, mas, com paciência, fé e determinação chegamos...no Pontal, depois de mais ou menos uma hora e meia de banzeiro. O Dengoso cortava até bem as ondas pequenas, mas as grandes tinham que ser enfrentadas de frente, e para isso, o trajeto do barquinho sempre mudava de direção, e assim, ele acabava andando em zig-zag, a atenção era muita, com medo de virá-lo, diacho do Pontal nem pra ficar mais perto e no caminho, mas como abastecer era necessário tivemos que enfrentar essa “caminhada”. Ah! Já ia esquecendo, comprava-se também gelo “escamado” (em forma de escama, ocupa menos espaço). Na proa, o Saló fez um pequeno depósito, tipo geleira, forrada com plástico sob placas coladas de isopor. Depois que saímos do Pontal, tivemos que retornar, pois a entrada do lago de Janauari ficava um pouco acima do Pontal, abaixo do Cacau-Pireira, já bem lá em riba (acima), na margem direita do Rio Negro e o Pontal já ficava perto do Porto, outra hora de viagem antes mesmo de chegarmos o ponto da tal esperada caçada de patos.

O local escolhido, sob a orientação do grande caçador amigo do meu irmão José, foi uma beirada de praia cheia de araçás, vegetação baixa que dá um fruto parecido com a goiaba, amarga que só, mas que dava para o caçador se esconder na espera dos patos. Nesse local, um pouco mais abaixo, foi amarrado o barco numa poita na praia e nos arrumamos para passar o resto do dia, o almoço já vinha pronto, a Sarita preparou o rango do Saló com esmero, o nosso também veio, mas no caminho, vimos nos preparando, tratava-se de uma caldeirada de tucunaré, só faltava achar o principal, os tucunarés que se prestassem para participar desse almoço. Depois de ancorado o Dengoso, rapidamente o Saló e o José, saíram numa canoinha em busca dos bichinhos, nisso o Saló conhecia bem a manha, e em poucos minutos lá estavam de volta trazendo uns lindos “tucunarés-paca” (o tucunaré paca tem o costado cheio de pintas brancas que se parecem com as pintas das pacas, daí seu nome popular) de dois a três quilos, depois de descamados e eviscerados foram jogados em pedaços grandes diretamente no caldo fervendo que já vinha sendo aquecido em fogo brando desde quando ancoramos, sei disso porque era eu o “grande chef” do dia. Do tempo em que os tucunarés nadavam alegremente junto com seus familiares, para a nossa panela não decorreu nem 10 minutos, mais frescos impossível. O resto da tarde, pescou-se mais algumas coisas, como pescadas, piranhas, e mais alguns tucunarés. No jantar novamente caldeirada já com os novos peixes, aproveitando ainda o mesmo caldo completado com mais água.

As redes foram atadas, umas ao lado das outras, não havia carapanãs, o Rio Negro, pela acidez de suas águas (possuem valores de pH entre 3,8 e 4,9, sendo considerada ácidas) inibe o crescimento das larvas dos carapanãs, e assim, dormimos tranquilamente. Pena que o sono foi rápido, porque as quatro da madrugada, fomos despertados pelo eficiente caçador animando a todos para assumirmos as nossas “esperas”. As ditas esperas, consistia em se posicionar no alinhamento da trajetória dos voos dos patos, que logo mais ao amanhecer estariam em suas rotas e voariam por sobre esse caminho. Os patos tem memória dos seus trajetos e nunca mudam, sempre voam como se fosse uma rota na aviação, o conhecimento se transmite de pais para filhos. Embora, da altura em que voam, têm uma visão privilegiada pois reconhecem quaisquer objetos diferente em seus caminhos, era o caso de alguém estar com o brilho do relógio, o cano da arma aparecendo, ou uma roupa de cor berrante, fazia com que desviassem o trajeto imediatamente, tudo comandado pelo líder do bando, aquele que, quando em formação, é o vértice do triângulo nos voos, aliás, essa formação de voo tem uma explicação lógica, foi estudado que, os que se colocam nos lados, não sofrem o peso do arrasto e aproveitam o que eles chamam de esteira de vento, com pouca resistência, já o líder, sente todo o peso, por isso, vez por outra, em voos longos, tendem a se reversarem.

Na madrugada ainda escuro, todos se posicionavam à espera dos patos, ficavam de cócoras ou sentados em algum galho por perto, nos seus locais pré-escolhidos, com a arma abaixada para evitar o reflexo do cano, não era fácil chegar-se até lá, a essa hora da noite, tudo completamente escuro no maior breu e ficar lá quieto, usava-se a lanterna apenas para ver aonde se sentar a fim de não dá de cara com uma snake (cobra) ou outra coisa peçonhenta, mesmo assim, depois da quietude restaurada, ficava-se sem saber o que estaria a nossa volta e nem o que vinha pelas costas. Na hora certa, aos primeiros brilhos do sol, eles começaram a aparecer com seu grasnados característicos sempre no mesmo horário. O líder começava vistoriando o local, sobrevoando em círculos, se notasse algo diferente daria meia volta e levaria todos para outro lugar, por isso a camuflagem é importante, depois de tudo certo, o bando se aproxima sempre na mesma rota, dai quem está posicionado em seus lugares, dá início ao tiroteio até que o líder decida bater em retirada, mas ai já perecerem vários bravos combatentes, alguns caem no rio, outros, dentro da mata, quem atirou tem a obrigação de acompanhar a queda dos bichos para não perder nenhum. Há casos em que concorrem também pelos patos abatidos, um batalhão de piranhas e outro tanto de jacarés, a corrida é de quem chegar primeiro, participa também, um menino de canoa que a gente contrata no local. Esse procedimento se repete de 15 a 20 minutos, para a vinda de outro bando. No final, já em dia claro, vem a contagem, foram abatidos perto de 30 patos, gordos e corados, do jeito como contou o nosso expert, sem o exagero dos quatro quilos, na verdade, alguns com quase três quilos, para alegria geral, imagine a quantidade de patos em poucas horas de caçada, é emocionante, ver aquele amontoado de patos no chão, diante deles era feita a divisão equitativamente entre os caçadores, para não gerar discórdias. Depois vinha a ardorosa tarefa da depenagem, eu preferia tirar as penas com pele e tudo, era muito mais fácil e rápido, outros, já preferiam depenar com água quente para preservar a pele com suas gorduras, diziam ficar mais saborosos após essa operação armazenavam-se os patos na geleira improvisada, na proa do motorzinho. O resto do dia, era dedicado à pesca, alguns iam atrás de caçar mergulhões (cormorões ou biguás).

No dia seguinte retornamos, desta vez não era pra demorar muito, o Saló havia prometido para a Sarita que passaria apenas uma noite fora, se demorasse mais, aposto que ela iria bater aonde estávamos, assim, conhecendo ela como ele principalmente conhecia, cuidamos de arrumar as tralhas, ligar o “tó-tó-tó” e voltar.

FIM DO CAPÍTULO I

Molar
Enviado por Molar em 07/05/2020
Código do texto: T6940181
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