HISTÓRIA PERDIDA
O dia estava preguiçoso, calmamente o sol descia, dando
por encerrado mais um dia de seu trabalho. As horas corriam
vagarosas, como areias em ampulheta. O jovem estava sentado
de frente para sua mãe, aguardando os minutos finais para
voltar à sua cidade. A distância os separavam, era necessário
viajar seiscentos quilômetros para se verem. Não querendo
desperdiçar os momentos derradeiros, o jovem olhou para sua
genitora e pediu:
— Mãe, conte-me sobre sua infância.
A mulher olhou para seu menino e relembrou daqueles
tempos longínquos, da vida árdua, infância sofrida, das mãos
calejadas do serviço manual.
— Na minha meninez, a gente trabalhava muito. A casa
era cheia de crianças barulhentas; aos quatro anos fui morar
com minha vó em São Paulo.
— Por quê? — Indagou o moço, curioso.
— Minha vó falava que eu era bicho criado, aprontava e
depois ficava quieta no canto. Eu pirraçava todos meus irmãos
e depois fingia não saber de nada. Morei cinco anos em São
Paulo.
— E sua mãe deixou a senhora ir? — Ele quis saber.
— Ah! Eu ia passar uns dias só, mas minha mãe perdeu o
contato, naquele tempo era difícil a comunicação. As cartas
eram enviadas para uma rádio local, porque a gente morava no
mato, passava cobra na porta de casa; cobra grandona, eu
ficava com muito medo. Porém, a estação foi fechada e não foi
possível mais receber as missivas.
— A senhora não quis vir embora de São Paulo?
— Eu quis, chorava bastante no começo, tinha só quatro
anos. Eu olhava o sol e via que ele nascia no mesmo lugar onde
surgia na fazenda dos meus pais, então imaginei que se
seguisse o sol, eu chegaria em casa.
— A senhora seguiu o sol?
— Segui não, minha avó sabia que eu era arteira e ficava
de olho em mim. — Ela deu uma risada nostálgica, com ar
travesso de criança. Apesar da idade avançada, ainda
conservava o brilho infantil que só pessoas amorosas são
capazes de reter.
— O que aconteceu depois? — Inquiriu, o jovem.
— Depois de cinco anos, minha avó me trouxe para
passear na fazenda e minha mãe não me deixou voltar. No
outro dia fui para a roça trabalhar. — Outra vez o sorriso
maroto.
Seguiu-se um momento de silêncio, enquanto o rapaz
absorvia a história. Ficou refletindo sobre o quanto sua mãe
lhe era uma estranha, pois pouco conhecia sobre seu passado.
Ele sabia que a idade estava chegando para ela, e nada
conhecia sobre os desejos e anseios da mulher que lhe deu à
luz. Refletiu também sobre as oportunidades em que pôde a
conhecer melhor, mas decidiu ignorá-la para ficar com um
celular em seu nariz vinte e quatro horas.
Chegara o momento da despedida, os seiscentos
quilômetros iriam separá-los de novo. O filho abraçou sua
mãe, tão pequena em seus braços. Fizera tão pouco por uma
mulher que lhe dera o muito. A ingratidão tira o que há de
melhor nas pessoas, rouba momentos que parecem pequenos à
primeira vista, mas se mostram grandes quando guardados no
íntimo. O rapaz fez uma promessa silenciosa; entrou no ônibus
e sorriu melancólico enquanto acenava para sua estrela guia.