Desencontros e encontros

Conheceram-se na escola. Um era grande e bonito; o outro, pequeno, aparência comum. Tornaram-se amigos desde então. Coisas aconteceram que fortaleceram a amizade. Coisas aconteceram que provocaram a separação. Eles se encontraram novamente e a amizade continua inabalável.

Quem explica as separações que acontecem ao longo da vida? Por que acontecem? O grande e bonito continuou assim; o pequeno e de aparência comum, mudou bastante. O tempo tem uma capacidade insuperável de nos mostrar o que está por trás das cortinas da vida. Sim. A vida é como uma casa cheia de cortinas por todos os lados. Entre elas alguns corredores por onde desfilamos ao longo da existência. Algumas casas são grandes, largas, cheias de quartos. Outras são pequenas, minúsculas e reduzidas a poucos cômodos.

Quando eles se reencontraram já estavam adultos e aos poucos foram trazendo à tona lembranças de sua infância; essas lembranças foram evocando revelações que pareciam soterradas e esquecidas definitivamente. A primeira revelação diz respeito ao anonimato, esse ser abstrato que nos torna menores do que realmente somos. _ Lembra como você era popular e eu sempre uma sombra no seu caminho? Na época eu nem percebia; sentia-me feliz em segui-lo. Não questionava os motivos pelos quais não era eu quem liderava e costumava ser seguido. _ Mas eu não forçava nada disso. Eu era assim. Você é quem tinha o terrível hábito de me censurar pelo que chamava de arroubos. Nunca entendi o que seriam esses arroubos.

Daí a segunda revelação. _ Eu queria te atingir de alguma forma. Atacar a sua autoestima para fazê-lo sentir-se um pouco igual a mim. (Explicação que dizia sobre o amor próprio, tantas vezes abalado em nome da busca de um padrão que nem sempre corresponde ao seu de verdade. Quantas vezes ferimos o nosso amor próprio em nome de certezas frágeis e desejos que parecem, mas não são nossos?) _ Quando a gente se afastou eu percebi que fui muito fraco, me escondendo atrás de seus interesses. Nunca valorizei o que realmente eu queria, acreditava, desejava...

A baixa autoestima leva-nos a agir assim. Ela vai sendo construída ao longo do caminho, no corredor entre as cortinas do viver. A cada rejeição, a cada palavra de ofensa, de negação, ela se fortalece e vai dominando as nossas verdades. Aí se falou sobre a verdade que se opõe a mentira; e muitas verdades foram reveladas. _ Eu sempre quis a sua vida e por isso fui deixando de viver a minha. E a minha vida foi perdendo a história, foi ficando vazia, sem página que valesse a pena ler.

As mentiras não são eternas; elas não conseguem sobreviver às verdades. Essas sim tem vida longa, duram séculos e voltam ao começo; é preciso apenas descobri-las, pois nem sempre são ditas ou estão expressas no olhar do interlocutor. Nada sólido pode ser construído sobre a base frágil da mentira. Outra revelação: _ Vou te dizer uma verdade, então: eu te amo, cara. Amor esse fortalecido no seu sorriso, na sua presença e (por que não?) na sua ausência. Amor, cuja essência é o cuidado, o interesse, a admiração, a proteção.

Mente quem disser que o amor pode nascer de um instante. Amor requer prática rotineira, dedicação cotidiana, atenção nos pequenos detalhes. _ Já que é chegada a hora da verdade: eu também te amo, cara. Sei tudo isso que você está falando. E aprendi na contramão dos estereótipos que o preconceito é como uma fumaça densa que ao menor contato com o vento da experiência se dissolve.

O que serão, senão, os preconceitos? Você tem medo do que não conhece, do que não vive, do que não imagina a essência. As revelações não findaram por aqui. Continuam sendo ditas fora dessas linhas, na convivência cotidiana de todas as pessoas que se amam e vivem a sua história.

maria das letras e llivros
Enviado por maria das letras e llivros em 08/05/2020
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